O Positivismo de Teófilo Braga

A presença de Teófilo Braga no pensamento português é pautada pela forma como defendeu o ideal positivista, que alcançara considerável projecção da segunda metade do nosso século XIX. Todavia, na fase inicial da sua evolução intelectual, Teófilo foi um pensador romântico. Daí o seu interesse pelas manifestações espirituais do povo português, desde a literatura à religião, à arte, às tradições e aos costumes, aspecto que aliás nunca abandonaria a sua conformação intelectual, mesmo depois da adesão ao positivismo. (...)
Deixa-se então seduzir pelo triunfalismo positivista, defendendo que à segunda metade do século XIX estava destinada a realização plena da última fase do espírito, com a entrada final da consciência no estado positivo e com a consequente transformação pacífica das instituições políticas e sociais, que, a não operar-se, geraria fenómenos revolucionários de trágicas consequências . (...)
À luz de uma concepção unilinear e universalizante, deitando o passado no leito precursor do estado positivo e do republicanismo, considerou, na sua História Universal-Esboço de Sociologia Descritiva (1879-82) que a história era uma «filosofia concreta, na qual a parte narrativa é a escolha dos factos e a filosofia é a conexão íntima que os explica», traçando as vias e os meios «por onde cada presente procede de cada passado». A confluência necessária entre a história e a filosofia radicava na necessidade de deduzir, através da multiplicidade dos factos «as leis gerais, e por assim dizer, orgânicas da vida», as quais, uma vez submetidas à grande síntese, permitiriam descortinar a realização do que chamava «a lei primária que dirige o movimento fatal».
Assim, atribuiu tanto à história universal como à história de Portugal um curriculum bem ordenado, da infância à maturidade, e num defendido paralelismo entre a filogénese e a ontogénese, rumo a um estado final em que o espírito humano renunciaria, definitivamente, à indagação do absoluto, tendência característica dos seus momentos de infância, aprendendo antes a circunscrever os factos, no domínio estrito da observação e da experimentação, com posterior coordenação geral que à filosofia positiva incumbiria. Curiosamente, essa história, a partir do estado positivo, atingira o seu cume, sendo então o progresso nada mais do que o desenvolvimento da ordem, e assim, a historicidade dos fenómenos sociais era admitida na medida em que sublinhava a perenidade desse último e definitivo degrau da evolução.
Deve notar-se, no entanto, que o positivismo de Teófilo, como de um modo geral o positivismo em Portugal, não acompanhou em tudo as ideias de Comte. Em primeiro lugar nunca nos deixámos seduzir pelo ideal conteano de um estado ditatorial e de um governo forte, inimigo do sufrágio. Sob este ponto de vista Teófilo bateu-se arduamente pelos ideais de uma democracia republicana.
Por outro lado, também não colheram entre nós as teses conteanas sobre a religião da humanidade, predominando antes um vincado anticlericalismo. Nestes dois aspectos, Teófilo seguiu mais as ideias de Littré que as do pai do positivismo.
Finalmente, é de sublinhar o esforço a que se entregou, nos Traços Gerais de Filosofia Positiva, para completar o sistema de Augusto Comte, chamando a atenção para a importância da psicologia, a que Comte não atendera.
No positivismo, na sua extraordinária base científica, na classificação ordenada e hierarquizada dos saberes, desde a matemática à sociologia encontrou, como ele próprio escreveu, a possibilidade de «dar disciplina a esse desalento, o fazer-nos compreender, através dos actos descoordenados das pessoas, a marcha evolutiva das coisas, livrando-nos da fascinação revolucionária que nos levaria à desgraça».
(...) Determinismo e previsibilidade, por um lado, ordem e progresso pelo outro, tais eram as balizas fundamentais com que enquadrava o movimento das sociedades.
Todavia, a questão que legitimamente se coloca a partir de um esquema desta natureza é a da liberdade de disposição dos indivíduos e dos grupos. A liberdade para Teófilo é directamente proporcional à capacidade de compreender e dar expressão às necessidades de evolução orgânica da humanidade, rematando em texto síntese da sua História Universal - Esboço de sociologia descritiva: «pela história se descobre o justo limite até onde o homem pode individualmente exercer acção sobre a sociedade; como um meio, a sociedade domina fatalmente o indivíduo nos costumes, nas noções usuais, pela forma das instituições, mas por seu turno, o homem reage sobre esse meio transformando-o, elevando-o, convertendo os seus movimentos empíricos em racionais».
(...) É interessante notar que a filosofia da história unilinear e universalizante que perfilhou, na esteira de Comte, não matou no seu espírito a antiga tendência romântica, continuando nesta fase o seu trabalho a pesquisa dos factores que individualizariam a nossa raça.
Pedro Calafate in http://cvc.instituto-camoes.pt