
Evidentemente, tal relegamento do escritor para zonas de sombra acicata-o por vezes, levando-o a produções vertebradas, que são autênticos gritos da inteligência rebelde e onde não raro se derrama o melhor da capacidade imaginativa, tensa e exasperada, de períodos em que se obscurece a comunicação normal entre os homens e em que a acção do livro, reduzida embora em extensão, ganha uma acutilante qualidade crítica e concentra a dignidade de minorias advertidas culturalmente e firmes no seu espírito de resistência. Mas o saldo não deixa de ser negativo quando se considera não já tudo aquilo que o escritor suporta e sofre, mas - e sobretudo - o muito que a camada dos leitores perde pela falta de convívio efectivo com aqueles que são não, é claro, os meus mentores, mas os que injectam na massa ideias novas, que divisam, na zona penumbrosa em que o futuro se vai pouco a pouco libertando da hora viva, os moventes sinais de amanhã.
Urbano Tavares Rodrigues, in 'Ensaios de Escreviver'