Pensamento crítico - por Ludwig Krippahl

Para muitos é ofensivo criticar as pessoas, duvidar delas ou contradizê-las nas suas crenças. Isto está enraizado na nossa cultura. Talvez até nos nossos genes. Mas é um mal-entendido. Normalmente, o que se critica são afirmações e não pessoas. O pensamento crítico não é um ataque pessoal. Mas compreende-se que muitos o julguem ser. Durante milhares de gerações a melhor forma de julgar a credibilidade de uma afirmação foi julgando a pessoa que a proferia.
Se o ancião da tribo dizia que comer figos ao sol dava dores de barriga não se ia organizar um teste controlado com grupos de voluntários seleccionados aleatoriamente. Não só por limitações práticas como pela falta dos conceitos necessários para perceber a necessidade da experiência, organizá-la e interpretar os resultados. A única possibilidade era decidir se se confiava no ancião. Por isso a confiança nas hipóteses esteve muito tempo associada à confiança nas pessoas.
Hoje em dia é diferente. Não vivemos em tribos pequenas cujo conhecimento total é o dos seus membros mais sábios. Vivemos entre estranhos numa sociedade global que, colectivamente, tem mais informação que qualquer um de nós pode imaginar. Estas circunstâncias justificam avaliar as ideias pelas ideias e não por quem as propõe. Não quer dizer que se rejeite a autoridade, mas que a autoridade não é um valor primário. Tem que se fundamentar em evidências. Um médico não tem autoridade porque é médico mas porque a medicina cura.
O conhecimento disponível também aumenta o custo de aceitar crenças falsas. Durante a Peste Negra havia quem não tomasse banho para se proteger da doença. Não adiantava, mas como nenhum outro profilático conhecido era eficaz também não havia muito a perder. Só mau cheiro e desconforto. Hoje quem adia a quimioterapia para experimentar a homeopatia arrisca a vida quando se pode curar. Se pintamos o mundo com as fantasias dos outros, perdemos a oportunidade de compreender a realidade como ela é, uma oportunidade muito recente na história da nossa espécie.
Além de uma ferramenta útil, o pensamento crítico faz parte da participação responsável na sociedade. Prolongar uma doença infecciosa por recorrer a terapias sem fundamento põe em risco a saúde dos outros. As liberdades democráticas de voto, associação e debate público justificam que se pondere o que se defende. Até a liberdade de crença deve ser temperada pelo pensamento crítico, e não apenas nos atentados ou fanatismos. Quando a sua religião pode afectar outros, o crente deve abstrair-se da sua crença pessoal e considerar o fundamento do que afirma. O pensamento crítico começa pela crítica às nossas próprias opiniões.
Finalmente, o progresso depende de olhar criticamente para o que fazemos. Isto é óbvio na ciência e na tecnologia, mas é igualmente válido na arte, ética, política e em toda a actividade humana. Não se progride sem um olhar crítico que revele o que se pode fazer de maneira diferente e melhor. Por tudo isto é importante que a educação não dê apenas conhecimento mas que também estimule esta capacidade.
Para melhorar este aspecto da formação dos nossos alunos, o Departamento de Informática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa introduziu a disciplina semestral de Pensamento Crítico no programa da Licenciatura em Engenheira Informática (1). Esta disciplina foca a estrutura de argumentos, erros de percepção e raciocínio, análise de modelos científicos, explicações causais e problemas de decisão. O objectivo é explorar, pela prática, obstáculos ao raciocínio crítico e técnicas que ajudem a ultrapassá-los. É apenas o segundo ano em que a disciplina é leccionada, pelo que só podemos notar a melhoria na capacidade de análise e expressão dos alunos a curto prazo. Mas mesmo que o efeito a longo prazo seja modesto é na direcção certa.
Para concluir, deixo a sugestão de abordar o pensamento crítico como uma disciplina própria. Principalmente no ensino secundário, mas também no primeiro ciclo do ensino superior, é difícil conciliar uma abordagem crítica com a aprendizagem de conceitos básicos na maioria das disciplinas. Para ensinar matemática, línguas, história, biologia e outras disciplinas a este nível é preciso exigir que o aluno aceite muita coisa pela autoridade do professor. Só depois de dominar uma área é que se consegue compreender como esta se fundamenta em evidências e não na autoridade. Disciplinas que estimulassem a análise crítica por si iriam beneficiar não só os alunos mas toda a sociedade.

Ludwig Krippahl in dererummundi