Opinião política (J.A.S.) - O mito da Igualdade

"Um estudo sobre as desigualdades sociais, que coloca Portugal na cauda da Europa, desencadeou no país uma onda de comentários. Seguindo um hábito tipicamente português, muitos daqueles que se pronunciaram sobre o tema nem sequer tinham lido o estudo, que de resto não estava ainda publicado. Tinham-se limitado a ler uma notícia de jornal.
Esta questão das desigualdades, sendo muito sensível, encerra uma ratoeira.
Em Portugal, há desigualdades sociais chocantes e moralmente inaceitáveis.
Mas atenção: o contrário é tão mau ou pior. As experiências que tentaram implantar no mundo sociedades totalmente igualitárias revelaram-se desastrosas. Levaram a verdadeiras catástrofes humanas.
O comunismo foi a última experiência de uma sociedade igualitária. Produziu milhões de mortos, destroçou famílias, devastou gerações, provocou terríveis desastres ambientais.
Ficou claro que a igualdade só pode ser imposta à força, através de uma repressão violenta feita por um Estado todo-poderoso. Sendo os homens desiguais, não tendo as mesmas capacidades, nem os mesmos interesses, nem as mesmas ambições, a tentativa de os tornar iguais exige uma repressão violenta e a supressão absoluta das liberdades.
(...)
Combatamos, pois, as desigualdades mais chocantes, as injustiças, as arbitrariedades – mas não caiamos na armadilha de embarcar no mito da igualdade.
Até porque, se não fica bem a ninguém defender as desigualdades – e por isso ninguém o faz –, elas não só são inevitáveis como são necessárias. Uma sociedade igualitária, onde todos fossem iguais, seria uma sociedade estéril, morta, sem vida. A igualdade conduz à indiferenciação, ao cinzentismo, ao pântano. Pelo contrário, as desigualdades, as diferenças, geram tensões, são estimulantes, dinâmicas.
A sociedade de mercado não poderia funcionar se tudo fosse igual. Se fossem todos iguais e uns não tivessem hipóteses de «ser mais iguais do que outros», para usar o trocadilho de Orwell, a maior parte das pessoas não teria estímulos para trabalhar mais, para tentar vencer.
O dinheiro, a possibilidade de ganhar mais do que o colega, de ter uma vida melhor, um carro melhor, uma casa melhor, é para muita gente um poderoso estímulo. Um afrodisíaco. E é isso – essa ânsia de vencer, de se afirmar – que torna a sociedade mais competitiva e contribui para gerar riqueza.
Dir-se-á que o objectivo é exactamente acabar com esta sociedade competitiva, onde uns triunfam mas outros soçobram. O objectivo é acabar com o ‘capitalismo selvagem’, como alguns lhe chamam.
Ora este é outro dos grandes mitos do nosso tempo. Porque quem mais promoveu a igualdade entre os homens foi (e continua a ser) exactamente o capitalismo. Onde há uma classe média mais extensa, abraçando os mesmos valores, frequentando os mesmos locais, gozando dos mesmos privilégios, é nos países capitalistas.
Nos centros comerciais das grandes metrópoles, por exemplo, cruzam-se empresários e operários, artistas e burocratas, homens e mulheres de várias gerações e diversas extracções, brancos, negros e amarelos, partilhando o mesmo espaço, respirando o mesmo ar, bebendo a mesma cultura, formando um gosto comum.
Inversamente, nos países onde o capitalismo ainda não conseguiu implantar-se e ganhar pujança é onde existem mais desigualdades, onde a estratificação social é maior, onde as diferenças são mais chocantes, onde há maiores fortunas e mais gente na miséria: a China, a Rússia, o Brasil, a Índia, a maior parte dos países árabes...
Ao contrário do que muitos pensam e do que Marx previu, o modelo capitalista ainda é o melhor caminho para esbater as desigualdades. Até porque se revelou o modelo mais eficaz para criar riqueza – e a criação de riqueza acaba por beneficiar todos: patrões e empregados, pessoas capazes e pessoas incapazes, mulheres, velhos, desvalidos da sorte.
Tentar combater as desigualdades com as velhas receitas do marxismo ou por via administrativa é o pior que poderíamos fazer. O mito da igualdade é tão velho quanto o homem – mas é também o grande responsável por algumas das maiores catástrofes que a Humanidade conheceu."

José António Saraiva