Da dúvida ao cogito - por Olga Pombo

Se o método é, como vimos o caminho para atingir a verdade, é preciso começar pela aplicação da sua primeira regra, isto é, nada admitir que não seja absolutamente certo, ou, noutros termos, é preciso duvidar de tudo o que não é dotado de uma certeza absoluta, excluir tudo o que é impregnado por essa dúvida. Daí aparecer uma tripla necessidade:

- Necessidade prévia de duvidar
- Necessidade de nada excluir da dúvida
- Necessidade de tratar provisoriamente como falsas as coisas impregnadas do menor motivo de dúvida. 
A esta tripla necessidade correspondem três características da dúvida cartesiana:

- Ela é metódica porque é um instrumento de conhecimento cuja meta é atingir a verdade
- Ela é universal porque no processo do conhecimento, nada deve ser imune à aplicação do critério da dúvida
- Ela é provisória na medida em que desaparece sempre que a verdade for atingida
Descartes defende pois que, para chegar à verdade, temos de duvidar de tudo. Todas as coisas em que aparecer a menor dúvida devem ser tomadas por falsas. Assim temos que duvidar das coisas sensíveis, pois os sentidos muitas vezes erram. Além disso, quando sonhamos, passamos por diversas sensações ou imaginamos coisas que, apesar de parecerem reais, não têm realidade fora de nós. Devemos ainda duvidar daquilo que antes tínhamos tomado como certo, mesmo das demonstrações matemáticas.
No entanto, no próprio momento de duvidar, Descartes reconhece que, pelo menos, aquele que duvida, tem que existir:
“Não podemos duvidar de que existimos quando duvidamos; e este é o primeiro conhecimento que obtemos filosofando com ordem.
Assim, rejeitando todas aquelas coisas de que podemos duvidar de algum modo, e até mesmo imaginando que são falsas, facilmente supomos que não existe nenhum Deus, nenhum céu, nenhuns corpos; e que nós mesmos não temos mãos nem pés, nem de resto corpo algum; mas não assim que nada somos, nós que tais coisas pensamos: pois repugna que se admita que aquele que pensa, no próprio momento em que pensa, não exista. E, por conseguinte, este conhecimento, eu penso, logo existo, é o primeiro e mais certo de todos, que ocorre a quem quer que filosofa com ordem.”

Descartes, Princípios da Filosofia, I Parte, p. 55.

 O cogito é, assim, a expressão final sintética e intuitiva do processo de aplicação metódica da dúvida. Com efeito, é através deste processo que se atinge a substância da alma como puro pensamento (res cogitans) e que se define a essência do homem por via desta substância: eu penso, logo existo (cogito ergo sum). 
Olga Pombo in educ.fc.ul.pt