Ética, sim, mas que ética? - por Cerqueira Gonçalves

1. A época actual, que se vai designando, um tanto ou quanto empoladamente, de pós-moderna, não escapa, à semelhança do muitas outras, aos ritmos de coerência e paradoxo. 
2. Época de razões fracas, mas tempo de urgência ética, imposta pelos próprios cientistas, que não encontram, no exercício da sua área específica, suficiente inteligibilidade para a complexidade da existência, a começar pelos critérios de aplicação da ciência e da técnica. 
3. Para os chamados tempos de crise, a ética é a referência de recurso mais habitual. Ela é evocada agora sobretudo para sustentar os ímpetos predatórios, que vão contaminando a salubridade do ambiente, e para orientar - ou impedir - as incursões da engenharia genética no santuário do organismo humano. 
4. O recurso à ética representa uma espécie de reacção instintiva, de índole psicológica e cultural, às ameaças que parecem atentar contra a sagrada integridade humana. No entanto, uma análise mais pormenorizada deste fervor ético, leva facilmente à conclusão de que não se sabe bem de que questão se trata.
5. Por outro lado, a fixação na ética parece desviar a atenção de muitas outras instâncias, pelo menos tão decisivas como a da ética. Por outro lado, só com ética e biologia humana nada parece resolver-se, por se esquecer o mundo, do qual a vida humana também se alimenta. 
6. Ética, sim, mas que ética? Finalmente, não só de ética vive o homem.
Cerqueira Goncalves in Boletim Gepolis - repositorio.ucp.pt