Filosofia, acção prática e política

« A doença profissional da filosofia actual parece-me ser uma espécie de reflexividade sem fim» 

Eric Plouvier: poderá a filosofia aclarar a acção prática e política? 

Paul Ricoeur: Uma das pontes que tentei lançar, nestes últimos anos, situa-se entre o texto e a acção. A tarefa coloca em jogo a semântica, a linguística, as ciências da linguagem. Por um lado, existem textos sobre a acção, entre outros os textos narrativos e, por outro, a acção é também um texto legível pelos outros já que ela é conduzida por meio de palavras. 
Da mesma forma que um texto se torna independente do seu autor e produz efeitos autónomos, também a acção de cada um se incorpora nas acções dos outros e produz efeitos que nenhum dos protagonistas quis; entre estes efeitos não desejados encontram-se efeitos perversos. A acção segue assim o seu curso próprio. E vale a pena explorar este campo prático enquanto tal. Há portanto uma certa similitude entre a relação da acção com o seu agente e a do texto com o seu autor. Não são as intenções que conduzem o mundo, mas são tas acções com os seus efeitos que escapam ao projecto inicial. Seria preciso então retomar o problema do aspecto intencional da acção e o problema contrário, o dos determinismos. 
Lançando assim uma ponte entre o que eu chamo as minhas diferentes construções, pude mostrar que há interacção entre a compreensão global do sentido de um texto e a do sentido de uma acção, na base das análises que podemos fazer com instrumentos que relevam das ciências exactas. Recuso portanto separar as ciências do homem e as ciências em geral da hermenêutica, da interpretação. Daqui a minha divisa: “explicar mais para compreender melhor”. 

E.P.: Isso significa recolocar a filosofia no mundo? 

P.R.: Sim, e neste sentido distancio-me muito de Heidegger, que afasta completamente a filosofia das ciências do homem, o que, segundo a minha opinião, teve esse efeito tremendo segundo o qual a filosofia, estando exilada, não é mais interrogada por ninguém. Ninguém espera mais nada dos filósofos porque eles mesmos, tendo-se afastado das ciências em geral e das ciências do homem em particular, interrogam-se indefinidamente sobre a existência ou a morte da filosofia, etc… logo caem numa espécie de reflexividade sem fim que me parece ser a doença profissional da filosofia actual. Se a filosofia perde o seu contacto com as ciências, ela tem apenas por objecto ela própria, quando os seus objectos lhe são dados pelos outros, quer seja pela linguagem, pela vida, pela acção. Não é preciso que a filosofia seja texto sobre texto, uma espécie de escrita permanente na margem dos outros textos.

Revista Politis, 7/10/1988