Não tendo o lucro como objectivo, a missão das organiza-
ções da economia solidária ou do terceiro sector é consubstanciada
na sua finalidade social, sendo a obtenção de recursos
financeiros um meio e não um fim. Várias teorias
tentaram responder à questão da função económica das
organizações sem fins lucrativos [3] (Anheier, 1996; Barros,
1997, pp. 16-17):
• Para a “teoria dos bens públicos”, as organizações não
lucrativas (ONL) satisfazem procuras especificas de
bens públicos ou quase públicos, que o sector público
não satisfaz.
• A “teoria da confiança” considera que, não tendo as ONL
como objectivo o lucro, são mais fiáveis em contexto de
informação assimétrica, no fornecimento de certos
bens e serviços, cuja qualidade é de difícil certificação,
dados os custos de supervisão. A opção pelas ONL deve-
-se ao facto dos consumidores preferirem minimizar o
risco de abuso da posição dominante do produtor no
mercado de informação assimétrica.
• Segundo a “teoria dos stakeholders”, a procura não é
suficiente para explicar a existência de ONL, mas sim a
organização do mercado; o elemento determinante das
ONL seria os “stakeholders” (participam no conselho,
aderentes e financiadores que controlam as ONL, através
dos dirigentes) que estabelecem um triângulo entre
“stakeholder” (dador), produtor (ONL) e utente. As ONL,
intermediárias entre os escassos dadores e os numerosos
utentes, assegurariam a ligação entre eles.
• A “teoria da heterogeneidade” considera os empreendedores
religiosos, portadores de valores ideológicos, e os
activistas étnicos como determinantes das ONL. Este
tipo de empresário maximiza o lucro não financeiro (maximização
da fé, da influência política e da afirmação étnica),
através da ONL, cuja existência sinaliza o mercado
dos objectivos altruístas, não mercantis do empresário.
• Para a “teoria neo-institucionalista”, o sistema legal
condiciona a existência da ONL, a descentralização polí-
tica incentiva a resolução da falência de mercado através
da ONL e a desigualdade sócio-económica potencia
o aparecimento das ONL.
• A “abordagem institucional”, associada à Escola Institucional
Americana, considera a tensão entre eficiência
económica e coesão social uma constante da sociedade
ocidental. As ONL contrabalançam a influência das
grandes corporações no processo de decisão governamental,
assumindo o papel de canais de informação que
permitem aos grupos sociais menos protegidos informar
o governo das suas preferências, permitindo-lhe
actuar para compensar efeitos perversos do mercado e
contrabalançar o efeito da procura de lucro sobre os valores
sociais.
Os valores e as atitudes morais e éticas dos cidadãos são
parte integrante da cidadania, da economia e do desenvolvimento
(Hirschman, 1984; Sen, 1987, 2004). A economia social
e solidária pode reconciliar a economia e a moral, a
justiça e o lucro (Azam, 2003), na mesma linha de orienta-
ção de outros autores: “Talvez mais que dantes, precisamos
de uma economia na qual o desenvolvimento social não seja
uma preocupação subsidiária, relegada a mecanismos
compensatórios, uma economia cuja lógica intrínseca implique
e estimule a cooperação e a reciprocidade, em benefício
da equidade e da justiça social” (Laville & Gaiger, 2009,
p. 168). Uma economia com responsabilidades sociais ao
serviço do bem-estar de todos, pois como sublinha Latouche
(2003), o apelo ao altruísmo e à solidariedade é mistificador
enquanto não for regulado o problema da justiça. Diferentes
autores apostam na ideia de que a globalização da
economia social fará contrapeso à globalização da economia
de mercado (Lautier, 2003; Boulianne et al., 2003; Favreau,
2003; Demoustier, 2004). O termo "economia solidá-
ria" abrange elementos como sustentabilidade, meio
ambiente, diversidade cultural, desenvolvimento local,
competitividade, governabilidade, eficiência e uma outra
mundialização. Mas fica a interrogação de Latouche (2007):
que tipo de ética e economia mundiais podem levar a uma
sociedade mais justa?
As organizações não lucrativas constituem uma vasta área
de pesquisa, que passa pela introdução dos comportamentos
altruístas por parte dos agentes económicos no contexto
da teoria económica, pela discussão da eficiência na afecta-
ção do bem público e da sustentabilidade da política social
no longo prazo. O campo da Economia Social e Solidária ou
do Terceiro Sector deve ser entendido na dinâmica das rela-
ções entre economia pública e privada. Ao invés de reduzir o
conceito de economia à ideia de mercado ou de Estado, parece
mais adequado defini-la em termos de economia plural,
admitindo uma pluralidade de paradigmas e de princí-
pios de comportamento económico. Deste modo, torna-se
possível reconhecer, avaliar e compreender, de modo mais
adequado, o que se produz fora do circuito do Estado e do
mercado, muitas vezes de maneira não monetária e, por
isso mesmo, em geral insuficientemente avaliado.
Maria da Conceição Pereira Ramos in laboreal.up.pt