Aprender a pensar

Tempos houve em que era preciso saber na ponta da língua os rios, as montanhas e os caminhos-de-ferro de Portugal. Decorava-se e ficavam para a vida, essas listas que muitas vezes de pouco serviam. Mas era essa a matéria importante, aquilo que todos os alunos da quarta classe - uma minoria que ia à escola e sabia ler e fazer contas - tinham de saber. Nos últimos 50 anos, a taxa de analfabetismo passou de um terço da população portuguesa para um valor residual. O ensino evoluiu, tornou-se obrigatório estudar e introduziram-se matérias úteis à vida e à capacidade de desenvolver raciocínios. Mas a forma de avaliar esses conhecimentos pouco mudou: o que continua a contar é a capacidade de decorar e de dar as respostas que os examinadores esperam obter às perguntas que propõem. Agora, porém, deu-se um passo no caminho certo. Não é tudo, mas é um começo. Nuno Crato decidiu fazer uma alteração aos critérios de avaliação dos exames nacionais que arrancam amanhã: quem der uma resposta que não esteja contemplada nos planos de resolução dos testes mas que seja válida e tenha uma boa base de argumentação terá a merecida cotação. E essa opção será acrescentada às bases de correção nacionais. Parece óbvio, mas a verdade é que, até agora, se não estava na chave proposta, e por muito espírito crítico e inteligência que demonstrasse, a resposta simplesmente contava zero. A correção era estanque, em vez de apenas servir de guideline. Privilegiar a capacidade de pensar, de argumentar, de encontrar novos caminhos para chegar a soluções corretas é o que se propõe. E é precisamente esse o caminho que devíamos todos incentivar as crianças a percorrer. A Finlândia, reconhecida por ter um dos melhores sistemas de educação do mundo e ocupar posições de topo na matemática, nas línguas e na ciência nos rankings da OCDE, tem em curso a maior reforma educativa de sempre. O seu objetivo é acabar com o ensino partido por disciplinas rígidas e implementar uma educação por tópicos. A União Europeia, por exemplo, será ensinada como um todo, em todas as suas vertentes: económica, cultural, geográfica, histórica, linguística. E os métodos de ensino, em vez de moldarem e espartilharem a forma de pensar das crianças, privilegiam a utilidade e o valor do conhecimento, do raciocínio, do espírito crítico. Os finlandeses querem ensinar os seus miúdos a pensar, a entender como funciona o mundo e a saber onde e como procurar aquilo que lhes pode ser útil no futuro. Ainda estamos muito longe deste paradigma. Mas valorizar o raciocínio das crianças é um passo de grande valor no caminho para lá chegar. Só é preciso que professores e examinadores saibam acompanhá-las, reconhecer e incentivar essas novas premissas.
Joana Petiz in dn.pt