
Na perspectiva de Husserl que Merleau-Ponty também adopta tudo o que conhecemos do mundo, sabemo-lo através da nossa própria vivência, da nossa experiência singular; mesmo na ciência, o universo que esta constrói é edificado sobre as nossas vivências e as nossas experiências. A ciência nunca alcançará o mesmo sentido que o mundo percebido, pois este mundo percebido é um mundo vivido, é uma experiência vivencial que é descrita e a ciência é apenas explicação ou análise desse mundo percebido. Por mais explicações que engendremos, sejam elas, de vertente zoológica, antropológica ou psicológica, o homem é antes de tudo experiência vivida, é a fonte que origina e sustenta todas as explicações posteriores acerca dele, o «eu» enquanto ser humano existe por si só, está antes de todas as explicações possíveis e imaginárias provenientes dos saberes tematizados e assim entendemos a fenomenologia como uma descoberta vivencial e originária, a saber, toda a fenomenologia do nosso filósofo fundamenta-se no mundo da vida. O mundo existe antes das nossas análises ou reflexões, ele é fonte de todos os nossos pensamentos e de todas as nossas percepções, é neste mundo que nós estamos inseridos e que comunicamos com os outros. Para alcançarmos o verdadeiro sentido do mundo não nos podemos deixar cair na teia das análises reflexivas e aniquilar a própria reflexão, caíndo numa “subjectividade invulnerável” ausente de ser e de tempo, não podemos ignorar a reflexão como acontecimento, uma vez que ela manifesta-se como uma verdadeira criação, em que o mundo é dado ao sujeito porque “o sujeito é dado a si mesmo”. Assim o real deve ser mais uma vez descrito e não construído ou constituído, como pensava Husserl, uma vez que ele é a própria génese e precisa dos nossos juízos tematizados para existir. O mundo é um meio natural e é a origem de todos os meus pensamentos e de todas as minhas percepções, e não sou eu que o crio ou constituo, apenas o percepciono e o descrevo. No fundo o homem é o que é porque está no mundo e é neste que ele se conhece, o mundo surge como a casa ou fonte das minhas percepções e nunca o contrário como nos faziam crer os dogmáticos.
É ao demarcar-se da atitude natural que consistia em «crer na realidade do mundo e de mim mesmo», que Husserl procura uma atitude não ingénua, mas reflectida, uma atitude que não confunde o mundo com uma realidade objectiva em si, fazendo dele um objecto de ciência. O retorno ao mundo originário, ao mundo antes de ter sido parcelado e tematizado pelas ciências, implica que o coloquemos entre parênteses, que suspendamos (épochê) a nossa crença nele. É a este movimento ou atitude que Husserl dá o nome de “redução fenomenológica”. Mas esta deverá conduzir-nos ao mundo e não ser um “retorno a uma consciência transcendental perante a qual o mundo se desenrola numa transparência absoluta”. Não podemos reduzir quer o mundo quer a nossa existência à consciência que temos da sua e da nossa existência.
(seleccionado e adaptado a partir de http://filosofiadaarte.no.sapo.pt/fmp.html)