Fenomenologia - Merleau-Ponty (1908-1961)

A Fenomenologia, nas palavras do filósofo francês Merleau-Ponty, “trata de descrever e não de explicar nem analisar”. Descrever ou explicitar os fenómenos sem recorrer à explicação própria das ciências ou à análise que decompõe e divide. Ora “todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido”, sobre a “experiência do mundo” e é o regresso a “este mundo antes do conhecimento mas de que o conhecimento fala sempre” que a fenomenologia visa. Retorno a um mundo (a um mundo originário) que “está já lá” antes de ser constituído pela consciência. Pretende-se captar a “relação natural” com o mundo, reencontrar o contacto ingénuo com o mundo, ou seja, a percepção e conferir-lhe um estatuto filosófico. É neste sentido que Edmund Husserl nos falava da necessidade de uma “fenomenologia genética” que nos descrevesse a realidade no seu emergir imediato, no seu aparecer como movimento, sem nenhuma influência cientista, psicologista ou historiadora. Não se trata de procurar este olhar fenomenológico na história ou em textos outrora legados pelos diversos discípulos de Husserl, mas sim procurar em nós mesmos a unidade fenomenológica, o verdadeiro sentido do olhar do fenoménologo.
Na perspectiva de Husserl que Merleau-Ponty também adopta tudo o que conhecemos do mundo, sabemo-lo através da nossa própria vivência, da nossa experiência singular; mesmo na ciência, o universo que esta constrói é edificado sobre as nossas vivências e as nossas experiências. A ciência nunca alcançará o mesmo sentido que o mundo percebido, pois este mundo percebido é um mundo vivido, é uma experiência vivencial que é descrita e a ciência é apenas explicação ou análise desse mundo percebido. Por mais explicações que engendremos, sejam elas, de vertente zoológica, antropológica ou psicológica, o homem é antes de tudo experiência vivida, é a fonte que origina e sustenta todas as explicações posteriores acerca dele, o «eu» enquanto ser humano existe por si só, está antes de todas as explicações possíveis e imaginárias provenientes dos saberes tematizados e assim entendemos a fenomenologia como uma descoberta vivencial e originária, a saber, toda a fenomenologia do nosso filósofo fundamenta-se no mundo da vida. O mundo existe antes das nossas análises ou reflexões, ele é fonte de todos os nossos pensamentos e de todas as nossas percepções, é neste mundo que nós estamos inseridos e que comunicamos com os outros. Para alcançarmos o verdadeiro sentido do mundo não nos podemos deixar cair na teia das análises reflexivas e aniquilar a própria reflexão, caíndo numa “subjectividade invulnerável” ausente de ser e de tempo, não podemos ignorar a reflexão como acontecimento, uma vez que ela manifesta-se como uma verdadeira criação, em que o mundo é dado ao sujeito porque “o sujeito é dado a si mesmo”. Assim o real deve ser mais uma vez descrito e não construído ou constituído, como pensava Husserl, uma vez que ele é a própria génese e precisa dos nossos juízos tematizados para existir. O mundo é um meio natural e é a origem de todos os meus pensamentos e de todas as minhas percepções, e não sou eu que o crio ou constituo, apenas o percepciono e o descrevo. No fundo o homem é o que é porque está no mundo e é neste que ele se conhece, o mundo surge como a casa ou fonte das minhas percepções e nunca o contrário como nos faziam crer os dogmáticos.
É ao demarcar-se da atitude natural que consistia em «crer na realidade do mundo e de mim mesmo», que Husserl procura uma atitude não ingénua, mas reflectida, uma atitude que não confunde o mundo com uma realidade objectiva em si, fazendo dele um objecto de ciência. O retorno ao mundo originário, ao mundo antes de ter sido parcelado e tematizado pelas ciências, implica que o coloquemos entre parênteses, que suspendamos (épochê) a nossa crença nele. É a este movimento ou atitude que Husserl dá o nome de “redução fenomenológica”. Mas esta deverá conduzir-nos ao mundo e não ser um “retorno a uma consciência transcendental perante a qual o mundo se desenrola numa transparência absoluta”. Não podemos reduzir quer o mundo quer a nossa existência à consciência que temos da sua e da nossa existência.
(seleccionado e adaptado a partir de http://filosofiadaarte.no.sapo.pt/fmp.html)