Crítica e Filosofia - por Bertrand Russell

A característica essencial da filosofia, que a torna um estudo diferente da ciência, é a crítica. A filosofia examina criticamente os princípios usados na ciência e na vida quotidiana; procura inconsistências que possam existir nestes princípios, e só os aceita quando, em resultado de um inquérito crítico, não surgiu qualquer razão para os rejeitar. [...]
Contudo, quando falamos da filosofia como uma crítica do conhecimento, é necessário impor uma certa limitação. Se adoptamos a atitude do céptico completo, colocando-nos completamente fora de todo o conhecimento, e pedindo, desta posição exterior, para sermos obrigados a regressar ao interior do círculo do conhecimento, estamos a exigir o impossível, e o nosso cepticismo nunca poderá ser refutado. Pois toda a refutação tem de começar com algum pedaço de conhecimento que os contendores partilham; nenhum argumento pode começar da dúvida nua. Logo, para que algum resultado se alcance, a crítica do conhecimento que a filosofia usa não pode ser deste tipo destrutivo. Contra este cepticismo absoluto nenhum argumento lógico se pode avançar. Mas não é difícil ver que o cepticismo deste tipo não é razoável. A "dúvida metódica" de Descartes, que inaugura a filosofia moderna, não é deste tipo, sendo antes o tipo de crítica que estamos a dizer que é a essência da filosofia. A sua "dúvida metódica" consistia em duvidar de tudo o que parecesse duvidoso; em parar, perante cada pedaço de aparente conhecimento, para perguntar a si próprio se, depois de reflectir, poderia estar certo de que o sabia realmente. Este é o tipo de crítica que constitui a filosofia. Algum conhecimento, como o conhecimento da existência dos nossos dados dos sentidos, parece deveras indubitável, por mais que reflictamos calma e meticulosamente sobre ele. Com respeito a tal conhecimento, a crítica filosófica não exige que nos abstenhamos da crença. Mas há crenças — como, por exemplo, a crença de que os objectos físicos se assemelham exactamente aos nossos dados dos sentidos — que têm abrigo em nós até começarmos a reflectir, mas descobre-se que se evaporam quando são submetidas a um inquérito aturado. Tais crenças a filosofia irá convidar-nos a rejeitar, a não ser que uma nova linha de argumentação se encontre que as sustente. Mas rejeitar as crenças que não parecem abertas a quaisquer objecções, por mais cuidadosamente que as examinemos, não é razoável, e não é o que a filosofia advoga.
A crítica que se tem em vista, numa palavra, não é a que, sem razão, aposta em rejeitar, mas a que considera os méritos de cada pedaço de conhecimento aparente, retendo o que continua a parecer conhecimento uma vez terminada esta consideração. Tem de se admitir que permanece algum risco de erro, uma vez que os seres humanos são falíveis. A filosofia pode afirmar justamente que diminui o risco de erro, e que em alguns casos torna o risco tão pequeno que na prática é negligenciável. Fazer mais que isto não é possível num mundo em que os erros têm de ocorrer; e mais que isto nenhum defensor prudente da filosofia afirmará ter conseguido.

in:Os Problemas da Filosofia, de Bertrand Russell