Não faz mal não saber tudo - os modelos da ciência

Houve muitas ocasiões em que perguntei a mim mesmo se nós, cientistas, em especial aqueles que procuram responder a perguntas do género «definitivo», como a origem do universo, não estamos a bater à porta errada. Ao tentar responder a questões como a origem de tudo, assumimos que somos capazes de o fazer. Vamos avançando, a custo, propondo modelos experimentais, que se juntam à relatividade geral e à mecânica quântica, nos quais o universo aparece do nada, sem necessidade de energia: tudo devido a uma flutuação quântica aleatória. A isto, adicionamos a aleatoridade das constantes fundamentais, dizendo que os seus valores são fruto do acaso; outros universos podem muito bem ter outros valores da carga e massa do electrão e, assim, propriedades completamente distintas. Portanto, o nosso universo torna-se um lugar muito especial, onde as coisas conspiram para produzir galáxias, estrelas, planetas e a vida.
E se tudo isto fosse falso? E se olhássemos para a ciência como uma narrativa, uma descrição do mundo que tem limitações baseadas na sua estrutura? As constantes da natureza são as letras do alfabeto, as leis da natureza são as regras gramaticais, e vamos construindo estas descrições através da mão orientadora do chamado método científico. Ponto final. Dizer que as coisas são como são porque, de outra maneira, não estaríamos aqui para fazer as perguntas é passar completamente ao lado da questão. As coisas são desta maneira porque esta é a história que nós, seres humanos, contamos com base na forma como vemos e explicamos o mundo. 
Se levarmos este ponto de vista ao extremo, significa que nunca seremos capazes de responder à questão da origem do universo, uma vez que essa questão assume, implicitamente, que a ciência pode explicar-se a si própria. Podemos elaborar todos os modelos fantásticos e criativos que quisermos, conjugando de alguma maneira a mecânica quântica e a relatividade, mas continuaremos sem compreender por que razões estas leis são as leis e não outras. Num certo sentido, isto significa que a nossa ciência é a nossa ciência e não algo universalmente verdadeiro, como muitos acreditam. E isto não é nada mau, tendo em conta o que conseguimos fazer com ela, mas, de facto, coloca limites ao conhecimento. O que talvez não seja, igualmente, uma coisa má. Não faz mal não saber tudo. Isso não torna a ciência mais fraca. Apenas mais humana.

Marcelo Gleiser  in “Grandes Ideias Perigosas”, Coordenação JOHN BROCKMAN; Trad.: Paulo Salgado Moreira