"Não me estraguem a liberdade!"

"Aquele velho caçador, que acompanhava o jovem «hirto e rígido como uma barra de ferro» e que vestia um fato Armani, ultimamente andava macambúzio e um nadinha furioso.
Então não é que os seus esforços de tantos anos de busca, que o tinham levado a dar o ‘salto’ e a bater-se em Paris e Argel para conquistar a Liberdade, estavam a ser postos em causa, a ponto de ninguém apreciar já o valor desse belo troféu! Ele que tudo tinha feito para a encontrar, ele que se bateu contra tudo e contra todos para a obter, ele que gastou meia-vida para a trazer para casa, de repente, vê-se na situação de ter de a defender novamente! Então não é que andavam outra vez a dizer por aí que «não há Liberdade», que «a Liberdade está ameaçada», que «se está a estragar», que «já não existe» e até que «está condicionada»!
Era inadmissível, a sua Liberdade, a sua querida Liberdade estava a estragar-se! Alguma coisa tinha de ser feita! Vai daí, pega numa caneta e em duas folhas de papel e decide-se a escrever um artigo de protesto para um jornal com um espacito ainda livre.
Sentado à secretária, pondera os seus argumentos, inventaria os riscos, elenca as condições de usufruto da Liberdade, faz um breve resumo histórico da sua heróica caçada à Liberdade e finalmente, já satisfeito com o fruto do seu laborioso protesto, fica por momentos a reflectir sobre o título a dar à crónica. Tem de ser um bom título – pensa ele, um título adequado aos tempos e à importância do problema.
Levanta-se, vai à cozinha, lembra à mulher que é necessário comprar comida para os peixes, abre o jornal e, de repente, eureka – já está! Corre para a secretária, agarra freneticamente na caneta e escreve: «A Liberdade é minha e só a empresto a quem eu quiser!»"

Paulo F. Guedes