"O mistério das cousas"

"O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.

Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.
Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos:
– As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas."

Alberto Caeiro
13-03-1914


Nas questões vê-se o conflito... se há conflito no sentido da existência, há pelo menos um pouco de racionalidade. Na procura da objectivação "quase absoluta" de Si próprio e das Coisas, o poeta expõe-se, "subjectivo", mais do que desejaria alguma vez encontrar-se. O pleno "amar" dos sentidos torna-se doloroso, pois que outra coisa o levaria a escrever? O que o levaria à linguagem como veículo de transmissão? O pensamento surge como labirinto entre a interioridade e a exterioridade. Aqui reside a procura.
F.Lopes