Em torno de Alberto Caeiro - por Filipe Oliveira (11º ano)

“Há metafísica bastante em não pensar em nada”- Aparentemente Caeiro nega a metafísica, aparentemente recusa o pensamento, aparentemente afirma-se contra a interpretação do real pela inteligência. Em contrapartida, propõe que a existência humana se limite às sensações, numa também aparente tentativa de viver de forma natural, recusando a busca da essência ou natureza da realidade, recusando a decifração do mistério, negando o próprio mistério.

"Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?

Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma

E sobre a criação do Mundo?

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos

E não pensar. É correr as cortinas

Da minha janela (mas ela não tem cortinas)."

O poeta parece optar pelo naturalismo – reduzir toda a realidade à natureza e ser como as árvores e as flores e os animais, que apenas existem sem pensar nisso. Mas ele não é uma árvore, nem flor, nem animal – tem olhos (símbolo da razão) e não pensar seria fechar os olhos e «correr as cortinas/Da minha janela (mas ela não tem cortinas)». Se a «janela» simbolizar a razão/pensamento/intelecto, o poeta lembra-nos que ela «não tem cortinas» - dotados de razão, não podemos não a usar – estamos condenados a usar a razão e, dessa forma, condenados a não ser árvores, nem flor, nem animal. Por isso o homem parece estar impedido de apenas existir – tem consciência que existe e essa existência levanta problemas – é misteriosa e, inevitavelmente, o homem procura desvendar tal mistério.
“Se eu adoecesse pensaria nisso.”- Os pensadores são «seres doentes»: em vez de existirem, pensam a própria existência. Todos os outros seres existem e isso basta-lhes. Mas ao homem não basta. Porquê? Porque dotados de pensamento não podem não pensar, não podem não querer decifrar o mistério – eles próprios são mistério. –“O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério! /O único mistério é haver quem pense no mistério”
Desprezando aparentemente o pensamento, Caeiro desvaloriza os filósofos e os poetas, mas… ele próprio é poeta e pensa poeticamente a essência da realidade. Nega a poesia, fazendo poesia; nega o pensamento reflectindo.
Para que é que pensamos? Caeiro não tem, talvez, resposta para esta questão. Seria mais fácil apenas existir – como as pedras e as árvores e as flores – sem pensar nisso. Seria mais fácil, mas… seria uma existência autenticamente humana? Existir humanamente pode ser algo semelhante a existir como as árvores, ou as flores, ou as pedras? Querer não pensar é, talvez, querer não ser o que somos… Seres dotados de razão que, por isso, procuramos respostas para os mistérios da existência: Por que é que somos como somos? Por que é que não existimos simplesmente, como os restantes seres vivos? Quem somos? O que fazemos no mundo?
Penso que Caeiro é um homem cansado da metafísica, ele próprio é metafísico, pois todos os seres dotados de razão e que êm consciência que existem, fazem metasísica todos os dias. Caeiro tem noção disso e, por mais que ele tente ver tudo pelo lado natural, não consegue, pois a razão "cega-o" de uma certa forma. Pois existe sempre um pensamento/reflexão que acaba por cegar a "visão" natural. Por isso quando ele diz: "há metafísica bastante em não pensar em nada", já está a fazer metafísica.
Filipe Oliveira