Acção política sem filosofia - António Carrapatoso

A acção política em Portugal é muitas vezes errática, sem uma visão clara, integradora e constante de transformação da sociedade.
A Filosofia Política constituindo uma reflexão sobre os princípios e a forma como a nossa sociedade deve funcionar e ser organizada, nomeadamente em termos da sua vida pública, nasceu de uma forma mais estruturada na Grécia Antiga e aborda temas tão importantes como o das liberdades, desigualdades, justiça, intervenção e poder do Estado, direitos das maiorias e minorias, papel do cidadão, organização do sistema político, etc...
Foram as ideias produzidas na filosofia política que na sua génese provocaram muitas das grandes transformações realizadas na sociedade, desde a evolução para Estados mais laicos e menos absolutistas ou divinos, até a uma verdadeira aposta em sociedades democráticas e liberais, passando por algumas revoluções como a Francesa e a Soviética.
Desde os gregos, Pitágoras, Platão e Aristóteles, os mais actuais, Rawls, Nozik e Popper, passando por Tomás de Aquino, Dante e Lutero na Idade Média, Bodin e Maquiavel na Renascença, Hobbes, Locke, Rousseau, Kant e Hegel na Idade Moderna, todos eles são exemplos relevantes de filósofos políticos, verdadeiros pensadores e transformadores da nossa sociedade.
Muito se tem debatido ao longo dos tempos, sobre a relação entre a Filosofia Política e a Acção Política. Esta é principalmente atributo dos políticos e caracteriza-se pelo seu tacticismo e imediatismo, por uma maior tendência para a inconsistência e mutação rápida e por uma ênfase em objectivos de curto prazo relacionados com a luta pela obtenção ou manutenção do poder e por outros interesses pessoais.
Dificilmente um filósofo político poderá ser um político e vice-versa, mas cada um deles terá muito a ganhar com uma maior compreensão dos temas e preocupações presentes na agenda dos outros.
Os filósofos políticos não conseguirão ver materializadas e confirmadas as suas ideias sem uma maior sensibilização e absorção destas pelos políticos e estes, se verdadeiramente preocupados com o interesse público, não conseguirão melhor defendê-lo se não tiverem uma filosofia política enquadradora das suas acções que lhes dê uma maior consistência face a um propósito final de evolução da sociedade.
Em Portugal muito se tem pecado neste último aspecto.
Os projectos políticos em confronto pouco procuram explicitar e aprofundar o seu entendimento sobre como consideram que a sociedade deve estar organizada e funcionar, não assumindo ideias suficientemente claras sobre qual dever ser o papel e intervenção do Estado, qual o modelo social e como se financia, qual o funcionamento dos mercados, qual o papel e responsabilidade do cidadão, quais os incentivos que lhe devem ser colocados, etc...
O que temos, de uma forma geral, constatado na acção política em Portugal, é que ela é muitas vezes errática, sem uma visão clara, integradora e constante de transformação da sociedade e que as reformas quando existem são pontuais, pouco estruturais e mitigadas por compromissos resultantes de pressões circunstanciais, não se buscando na sua prossecução a participação e envolvimento dos directa ou indirectamente afectados.
A prioridade está, frequentemente, mais no mediatismo e na angariação de votos e simpatias do que numa verdadeira vontade de transformar as coisas.
Vemos ainda que o exercício do poder não define os seus próprios limites, não estimulando nem mesmo deixando espaço a um livre e aberto debate de ideias e à intervenção da sociedade civil.
Em parte tal resulta de um passado histórico caracterizado por uma reduzida tradição democrática, pela herança de uma sociedade fechada, paternalista, rígida, hierárquica, formal e resistente à mudança.
Agora devemos mudar as coisas.
Devemos aprofundar o debate das ideias, explicitar melhor os projectos alternativos em confronto e estimular a intervenção e participação dos cidadãos.
Aliás estes só se sentirão mais envolvidos, motivados e dispostos a sacrifícios, se acreditarem num projecto mais global que lhes dê maiores garantias de que os benefícios futuros serão alcançados.
Temos, portanto, que ter uma acção política decorrente de uma aposta clara numa determinada filosofia política e mais próxima desta, protagonizada por políticos convictos, vocacionados para o interesse público, dispondo maioritariamente de uma experiência de vida pessoal e profissional diversificada e abrangente, cada vez mais abertos ao conhecimento e apostados em concretizar um projecto claro e profundo de transformação da nossa sociedade.


António Carrapatoso, (Economista)