Um novo paradigma das políticas culturais

A cultura e as políticas da cultura enfrentam actualmente uma situação completamente nova: de dificuldades, por um lado, e de potencialidades, por outro. Esta ideia foi hoje analisada e desenvolvida por Manuel Maria Carrilho, ex-ministro da Cultura e actual embaixador de Portugal na Unesco, na conferência de abertura que fez nos Encontros da Cerca, organizados pelo Festival de Almada em colaboração com o Instituto Internacional de Teatro do Mediterrâneo, e que tinha por tema “Crise, cultura e democracia”.
Esta situação, segundo o professor catedrático de filosofia, aponta para uma mudança de modelo ou de paradigma. “Vivemos o esgotamento da democratização que era o grande objectivo das políticas culturais que se desenvolveram desde os anos 60 até aos anos 90” (inspiradas em André Malraux) e na sua opinião, “estamos a viver a transição para um modelo mais virado para a qualidade e a diversidade” e este será o modelo para as políticas do século XXI.
Há década e meia, meados dos anos 90, aconteceram coisas muito importantes e diversas na civilização ocidental e no mundo, explicou. As dificuldades começaram com a multiplicação das indústrias culturais e depois com os elementos das novas tecnologias (o comércio e a difusão dos produtos culturais, a questão da pirataria, a questão da criatividade, etc). “Tudo isto traz alterações brutais no quadro do modo como a cultura pode ser vista, todas as implicações da revolução tecnológica e das redes mediáticas transnacionais”. Os aspectos positivos estão relacionados com as potencialidades das indústrias criativas e culturais e do que elas podem representar para o PIB (produto interno bruto).
Carrilho falou também da crise que para ele “é claramente civilizacional”, no sentido em que se vive um abismo crescente, “entre expectativas e realidades, entre valores e comportamentos, entre problemas e soluções”.
“Temos que encarar o termo de múltiplas ilusões: a ilusão e uma infinitude de conhecimento, de uma infinitude de progresso, de uma infinitude de consumo e de uma infinitude da dívida”, disse.
Ontem, Carrilho lembrou ainda que nesta crise tem que se ter em conta, a desarticulação “muito grande” que existe entre o local e o global. No sentido em que não há um poder regulado a nível global (“não há propriamente um estado de direito global”, existe uma sociedade global onde não existe Estado, existem regras). E por isso, o ex-ministro da Cultura fala da necessidade da globalização ir para além dos pilares, político e económico, e se pensar num terceiro pilar, em que haja essa articulação do local e do global. É preciso “uma nova visão para as políticas culturais” em que a cultura possa ser progressivamente este “terceiro pilar da globalização” e que tenha um papel mais dinâmico como criador de riqueza, afirmou Manuel Maria Carrilho, actualmente embaixador de Portugal na Unesco, organização que está a recentrar a sua actividade de novo na cultura com o objectivo de “conseguir ser um laboratório de ideias com projecção mundial”.