Liberdade de expressão: WikiLeaks (argumentação favorável)


" 1. Como cidadão, quero ter toda a informação possível. Como jornalista, acredito que não devo esconder qualquer informação. Aceito que haja pessoas, não jornalistas, que gostem da primeira parte e defendam a selectividade na segunda, de acordo com os seus muito veneráveis interesses económicos, políticos e até partidários. É, no entanto, um desconforto reconhecer que continuam a existir jornalistas que se acham no direito de decidir quando, porquê, em que conjuntura, uma determinada informação é boa ou não interessa. "Porque é da fonte x", "porque interessa à pessoa, ou instituição, y". E eles, arautos da verdade, que a existir lhes teria sido outorgada por direito divino, registam umas e escondem outras de acordo com preconceitos, medos ou dependências - ou até na superior função de regularem o funcionamento do mundo. "Pois se do outro lado não se sabe nada..."
O caso das chamadas escutas a Belém, a nível doméstico, foi bem elucidativo a esse respeito. A nível global, os documentos da WikiLeaks estão a produzir a discussão que se sabe.
Eu sou, inequívoca e militantemente, pelo conhecimento e pela liberdade de informação. Até pelo dever da informação aplicado à actividade jornalística. Daí que, não achando pessoalmente relevantes alguns dos documentos divulgados pela WikiLeaks, entendo que até esses cumprem a sua função de explicar, a quem não as conhece, todas as dimensões da diplomacia, política e economia, mesmo na vertente mais mundana. Mas, no essencial, aprecio e apoio o fenómeno WikiLeaks e vejo com muita preocupação a forma como o poder económico é capaz de se agrupar globalmente na caça às bruxas dominando empresas cujo poder e saúde económica deveriam transmitir mais independência.
2. Acredito, e julgo-me livre do pecado da ingenuidade, que a informação pode ajudar a construir uma cidadania mais consciente, a estabelecer convicções, e a fortalecer a civilização ocidental, em contraponto com o permanente abuso do Poder noutras latitudes. Entre a liberdade e o "segredo", mesmo de Estado (que a história já nos provou ser sempre coisa de conjuntura), em última e mesmo que dilacerada análise seria sempre pela liberdade.
Há pessoas, em Portugal, que têm carteira profissional de jornalista e não pensam assim. Espero nunca as ver arrastar com elas uma profissão a que, definitivamente, não pertencem a não ser por infelizes circunstâncias da vida. Não lhes vejo, acrescento, capacidade para isso. Mas se, por absurdo, tal fosse possível, como se vê, a cidadania e a informação têm hoje mecanismos que tornam impossível o controlo absoluto por parte de qualquer candidatura a poder hegemónico. As válvulas de segurança existem e são sempre bem-vindas. Como o fenómeno WikiLeaks. E como outros que existiram no passado. E ainda outros que felizmente florescerão no futuro."
João Marcelino - DN