A ética, a política e as crises


"A tese segundo a qual a crise se deve a acções isoladas e não éticas de alguns esquece que a maior parte dessas acções (excluem-se aqui as fraudes, que podem acontecer em qualquer momento) se desenrolou num enquadramento institucional que as permitiu e encorajou.
Assim, é aconselhável pensar não apenas na responsabilidade dos agentes individuais, mas também na eticidade do enquadramento institucional no qual eles operavam e operam. Mais que verificar se seguiram as regras estabelecidas, é agora necessário ver se essas regras são ou não eticamente aceitáveis. O enfoque deve ser na ética das instituições, e não na ética individual. Convém pois fazer perguntas do tipo: devem os reguladores destes mercados, assim como a própria classe profissional dos gestores financeiros, aceitar produtos de transparência duvidosa? Devem os mesmos aceitar correr riscos largamente excessivos, nos mercados associados aos empréstimos à habitação, ou outros? Devem os estados desonerar fiscalmente uma série de transacções financeiras especulativas? - e por aí adiante.
No entanto, esta necessidade de nos centrarmos nos aspectos institucionais da ética da crise, ou da falta dela, não nos deve levar ao extremo - no qual alguns não deixaram de cair no referido colóquio - de elidir por inteiro a dimensão individual da responsabilidade (de gestores e reguladores). Os indivíduos, como já disse, agem num quadro institucional. No entanto, os indivíduos existem. Não são apenas "a soma das suas relações sociais" e também não são joguetes das "forças de produção". Por isso é agora possível e desejável mudar as regras institucionais por detrás da crise. Assim como é possível, embora indesejável, não o fazer."
João Cardoso Rosas - Professor universitário de Teoria Política