
Esta questão das desigualdades, sendo muito sensível, encerra uma ratoeira.
Em Portugal, há desigualdades sociais chocantes e moralmente inaceitáveis.
Mas atenção: o contrário é tão mau ou pior. As experiências que tentaram implantar no mundo sociedades totalmente igualitárias revelaram-se desastrosas. Levaram a verdadeiras catástrofes humanas.
O comunismo foi a última experiência de uma sociedade igualitária. Produziu milhões de mortos, destroçou famílias, devastou gerações, provocou terríveis desastres ambientais.
Ficou claro que a igualdade só pode ser imposta à força, através de uma repressão violenta feita por um Estado todo-poderoso. Sendo os homens desiguais, não tendo as mesmas capacidades, nem os mesmos interesses, nem as mesmas ambições, a tentativa de os tornar iguais exige uma repressão violenta e a supressão absoluta das liberdades.
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Combatamos, pois, as desigualdades mais chocantes, as injustiças, as arbitrariedades – mas não caiamos na armadilha de embarcar no mito da igualdade.
Até porque, se não fica bem a ninguém defender as desigualdades – e por isso ninguém o faz –, elas não só são inevitáveis como são necessárias. Uma sociedade igualitária, onde todos fossem iguais, seria uma sociedade estéril, morta, sem vida. A igualdade conduz à indiferenciação, ao cinzentismo, ao pântano. Pelo contrário, as desigualdades, as diferenças, geram tensões, são estimulantes, dinâmicas.
A sociedade de mercado não poderia funcionar se tudo fosse igual. Se fossem todos iguais e uns não tivessem hipóteses de «ser mais iguais do que outros», para usar o trocadilho de Orwell, a maior parte das pessoas não teria estímulos para trabalhar mais, para tentar vencer.
O dinheiro, a possibilidade de ganhar mais do que o colega, de ter uma vida melhor, um carro melhor, uma casa melhor, é para muita gente um poderoso estímulo. Um afrodisíaco. E é isso – essa ânsia de vencer, de se afirmar – que torna a sociedade mais competitiva e contribui para gerar riqueza.
Dir-se-á que o objectivo é exactamente acabar com esta sociedade competitiva, onde uns triunfam mas outros soçobram. O objectivo é acabar com o ‘capitalismo selvagem’, como alguns lhe chamam.
Ora este é outro dos grandes mitos do nosso tempo. Porque quem mais promoveu a igualdade entre os homens foi (e continua a ser) exactamente o capitalismo. Onde há uma classe média mais extensa, abraçando os mesmos valores, frequentando os mesmos locais, gozando dos mesmos privilégios, é nos países capitalistas.
Nos centros comerciais das grandes metrópoles, por exemplo, cruzam-se empresários e operários, artistas e burocratas, homens e mulheres de várias gerações e diversas extracções, brancos, negros e amarelos, partilhando o mesmo espaço, respirando o mesmo ar, bebendo a mesma cultura, formando um gosto comum.
Inversamente, nos países onde o capitalismo ainda não conseguiu implantar-se e ganhar pujança é onde existem mais desigualdades, onde a estratificação social é maior, onde as diferenças são mais chocantes, onde há maiores fortunas e mais gente na miséria: a China, a Rússia, o Brasil, a Índia, a maior parte dos países árabes...
Ao contrário do que muitos pensam e do que Marx previu, o modelo capitalista ainda é o melhor caminho para esbater as desigualdades. Até porque se revelou o modelo mais eficaz para criar riqueza – e a criação de riqueza acaba por beneficiar todos: patrões e empregados, pessoas capazes e pessoas incapazes, mulheres, velhos, desvalidos da sorte.
Tentar combater as desigualdades com as velhas receitas do marxismo ou por via administrativa é o pior que poderíamos fazer. O mito da igualdade é tão velho quanto o homem – mas é também o grande responsável por algumas das maiores catástrofes que a Humanidade conheceu."
José António Saraiva