
Entre muitas outras, selecciono três interrogações fortes. A primeira pode formular-se assim: se a humanidade é só uma, por que é que há tantos princípios diferentes sobre a dignidade humana, todos pretensamente únicos, e, por vezes, contraditórios entre si? Na raiz desta interrogação está a constatação, hoje cada vez mais inequívoca, de que a compreensão do mundo excede em muito a compreensão ocidental do mundo. O regresso da teologia política (islamismo, hinduísmo e cristianismo políticos) nas três últimas décadas conferiu uma premência especial a esta interrogação, dado que os monopólios religiosos tendem a fomentar extremismos tanto entre os membros das diferentes religiões, como entre os que lutam contra eles. A resposta dominante a esta interrogação são os direitos humanos. É uma resposta fraca porque se refugia na universalidade abstracta (um particularismo ocidental) e não explica por que razão tantos movimentos sociais contra a injustiça e a opressão não formulam as suas lutas em termos de direitos humanos e, por vezes, aliás, as formulam segundo princípios que são contraditórios com os dos direitos humanos.
Esta interrogação desdobra-se numa outra. Qual o grau de coerência exigível entre os princípios, quaisquer que eles sejam, e as práticas que tem lugar em nome deles? Esta interrogação assume uma premência especial nas zonas de contacto porque é nestas que os princípios mais tentam ocultar as suas discrepâncias com as práticas e que estas se revelam com mais brutalidade, sempre que a ocultação não tem êxito. Também aqui a resposta dos direitos humanos é fraca. Limita-se a aceitar como natural ou inevitável que a reiterada afirmação dos princípios não perca credibilidade com a cada vez mais sistemática e gritante violação dos direitos humanos por parte tanto de actores estatais, como não-estatais. Continuamos a ir às feiras da inovação da indústria dos direitos humanos (global compact, programas de luta contra a pobreza, objectivos do milénio, etc.), mas, a caminho delas, temos de passar por um cemitério cada vez mais inabarcável de promessas traídas.
A segunda interrogação é esta: se a legitimidade do poder político assenta no consenso dos cidadãos, como garantir este último quando se agravam as desigualdades sociais e se tornam mais visíveis as discriminações sexuais, étnico-raciais, e culturais? As respostas dominantes são duas e são igualmente fracas: a democracia representativa e o multiculturalismo. A democracia representativa é uma resposta fraca porque os cidadãos se sentem cada vez menos representados pelos seus representantes; porque, nunca como hoje, os partidos violaram tanto as promessas eleitorais, uma vez no poder; porque os mecanismos de prestação de contas são cada vez mais irrelevantes; porque o mercado político (a concorrência entre ideologias ou valores que não têm preço) está a ser absorvido pelo mercado económico (concorrência entre valores que têm preço), tornando-se assim sistémica a corrupção. Por estas razões, o poder político tende a assentar mais na resignação dos cidadãos do que no seu consenso. Por sua vez, o multiculturalismo hegemónico é uma resposta fraca porque é excludente em sua pretensão de inclusão: tolera o outro, dentro de certos limites, mas em caso algum imagina ser enriquecido e transformado pelo o outro. É, assim, uma afirmação de arrogância cultural.
A terceira interrogação é a seguinte. Como mudar um mundo onde os quinhentos indivíduos mais ricos têm tanto rendimento quanto o dos 40 países mais pobres ou o de 416 milhões de pessoas e onde o colapso ecológico é uma possibilidade cada vez menos remota? As respostas dominantes são o desenvolvimento, a ajuda ao desenvolvimento e o desenvolvimento sustentável. São variantes da mesma resposta fraca, a de que os problemas causados pelo capitalismo se resolvem com mais capitalismo. Pressupõe que a economia do altruísmo não é uma alternativa credível à economia do egoísmo e que a natureza não merece outra racionalidade senão a irracionalidade com que a tratamos e destruímos."
Boaventura de Sousa Santos in: http://www.ces.uc.pt