Platão (Democracia e outros modelos de poder)

"(...) Platão designa (como alguns autores) por democracia um regime que pode ser, de todos, o mais belo, e por muitos julgado o mais belo de todos. Segundo ele, é aqui que se deve procurar um regime, pois nele próprio se encontram os vários tipos de regime, como numa espécie de “bazar ((ou feira)) de regimes” (VIII – 557 – c)-d). Contudo, não deixa de assinalar as suas debilidades, que alguns autores (como, por exemplo, Prélot e Lescuyer) sublinham, apresentando um Platão claramente anti-democrático (o que não se deduz claramente do seu texto integral e no contexto): “Eis, volvi, além de outros que se lhe assemelham, os traços característicos da democracia: é um regime cativante, desprovido de autoridade, mas não sem um furta-cores até bizarro, e que não olha à igualdade nem à desigualdade dos sujeitos na dispensação do mesmo tratamento igualitário.” (VIII – 558 – c). Assim, o homem democrático será múltiplo, podendo haver vários tipos humanos democráticos (tal como de regimes que aí bebem e aí como que convivem). Finalmente, a tirania, que assim é magistralmente pintada: “E eis o que, ao que parece, que se gera um acordo sobre o que devemos ter por tirania: confirmando o provérbio, o povo, de tanto desejar fugir do fumo que é o jugo do poder exercido por homens livres, caiu nas chamas do fogo que é a tirania que é o poder de um todo-poderoso escravo.” (VIII, in fine – 569-b-c). O trecho continua por mais umas linhas, com observações muito inspiradoras.
Os regimes que desembocam nesta complexa tirania, foram-se sucedendo: da timocracia se caira na oligarquia (porque dos presunçosos e ambiciosos nascem os simplesmente materialistas), e desta na democracia (já que os que apenas na riqueza pensam empobrecem necessariamente um grande número, o qual um dia tomara conta da situação), passando-se depois à tirania (governo de um só, que pela demagogia acaba por colher o acordo das massas desesperadas com a anarquia), pelo excesso de liberdade (libertinagem ou licenciosidade) de um regime que não temperara aquela sequer com a escolha de chefes competentes e à altura das dificuldades da excessiva licença geral. A timocracia, regime inicial corrupto, fora já fruto da degenerescência da aristocracia, esse sim, regime puro: porque os melhores se cristalizam, enquistam, se envaidecem, se dão à cupidez e à ambição, e assim se corrompem. (...)"

Paulo Ferreira da Cunha