"Explicação" e "Sentido" - A questão de Deus em Dawkins


Se um ateu afirmar que "Deus não existe", afirma um conhecimento: o de que "Deus não existe". Como chegou a essa conclusão? Terá que o demonstrar? Em caso contrário, verifica-se apenas uma "fé cega" de que Deus não existe? A questão continua, não morre aqui; o jogo do "empurra" está presente ao longo da história: a tarefa de "provar" será de quem se preocupa em afirmar a existência do sobrenatural e, que eu saiba, não existem quaisquer provas da sua existência: exigir de quem não acredita, que demonstre a inexistência de Deus, será, portanto, pouco coerente. Penso que para qualquer ateu será absurdo "provar" a existência daquilo que, do seu ponto de vista, é meramente conceptual, tal como será igualmente absurda a perspectiva de "demonstrar" a sua inexistência.
Se não há provas, poderemos perguntar por "indícios". Mas então, o posicionamento individual que serve de ponto de partida ao discurso sobre o sagrado, pejado de "pré-conceitos" estruturantes, a uns não permite a fuga ao imediato da percepção (ciência) e a outros abre uma "dupla compartimentação" que convive em harmonia relativa (religião). A dúvida poderá estar presente em ambos os casos. O "estranho", do meu ponto de vista, será o "fervor" com que Dawkins prossegue a "missão" de "esclarecer" aqueles que considera terem "mentes infantis" (os crentes). As perguntas que coloca são das mais sérias e radicais; a honestidade que transparece nas suas palavras, a meu ver, é evidente. No entanto, a partir de determinado momento, como que abandona a linguagem científica, adoptando um quase "fundamentalismo" que em última análise não defende a ciência como caminho e descoberta da verdade (já que impõe uma lógica que creio desadequada ao sincretismo da dimensão religiosa), revelando-se incapaz de aceitar a diferença e, poderei atrever-me a dizer, "eternamente" ofendido com a fé do Outro. Ele próprio justifica racionalmente o que o move: uma forma de "ódio" à noção de fé e às estruturas que a prolongam no processo do crescimento (educação). Acreditar em Deus será uma questão de fé. Acreditar que a maldade humana é produto dessa fé, já será uma questão de natureza político-ideológica.
A descodificação das leis do universo que Dawkins descreve, acaba por dar uma clara vantagem aos crentes: ou o método científico não é adequado (e isto é clarividente) à procura do sobrenatural numa formalidade descritiva/explicativa, ou então, a presença de uma lógica do "sentido", face ao desconhecido, reforça qualquer grau de fé que previamente exista no homem.
O contexto de Dawkins será o de um combate sério ao Criacionismo, ou ultrapassa em larga medida esta questão?
Sendo que o argumento de uma "fé fundada na razão", defendida de uma forma geral pela Teologia, é pouco compreensível à primeira vista, encará-la como um acto "louco" desprovido de qualquer lógica, parece-me igualmente difícil de aceitar.
A questão talvez possa ser olhada de uma outra forma: um jogo de poderes entre a Explicação, a Compreensão e o Sentido. O terreno da "Explicação", que a ciência ocupa, auto limitado numa metodologia específica, parece não responder às inquietações do homem; a "Compreensão", aproxima e aprofunda (interiorizando) as perspectivas; o "Sentido", na mais consequente interpretação e nas variadas formas que pode assumir, parece ser chave e resposta à  preocupação de qualquer humano, pois implica o homem como uma totalidade e com um fim.
Por um lado, a linguagem que a religião possui, quando lida literalmente, carece de fundamentos explicativos e ameaça a compreensão à superfície; por outro, a inteligência humana revela-se de um novo modo na insatisfação com os limites da explicação lógica e na abertura à dimensão do sagrado: negar esta insatisfação será negarmos a nossa própria natureza; admiti-la e não procurar caminhos de sentido, sejam eles quais forem, será condenarmo-nos à infelicidade.
Finalmente, e se a solução passa pelo sentido, ficam em aberto muitas questões: é a morte (a nossa e a do universo) que nos obriga a procurar esse sentido para escapar à infelicidade? É Deus uma solução lógica que ganha dimensão e realidade em cada homem, na medida em que o liberta para a possibilidade de viver feliz? É o "ódio" de alguns ateus à religião o reflexo frustrado da busca do sentido no lado oposto? O agnosticismo será prudência, ou  um sinal de conformismo?...
F.Lopes
(o texto poderá sofrer ainda algumas correcções e aditamentos)