BIOÉTICA - Testamento vital (Jornal i)

"Os doentes vão poder decidir os tratamentos que querem receber antes de perderem a consciência. Partidos concordam que projectos sejam discutidos na especialidade
O testamento vital vai permitir a um cidadão expressar a sua vontade sobre tratamentos médicos.
A declaração antecipada de vontade de um doente sobre os tratamentos médicos a receber posteriormente, o chamado testamento vital, vai ser uma realidade. Todos os partidos com assento parlamentar estão de acordo a que os quatro projectos sejam discutidos na especialidade, ponto por ponto.
As quatro propostas - do PS, PSD, CDS e BE - permitem aos doentes decidir, antecipadamente, os tratamentos que querem receber num futuro em que não tenham capacidades de decisão. Actualmente são os familiares a decidir sobre os tratamentos a aplicar a um doente, quando este não está consciente (em coma, por exemplo). Assim, os partidos querem acautelar que é a vontade do doente que prevalece através de uma declaração que cada pessoa faça anteriormente.
Na prática, os projectos que foram entregues na Assembleia da República não vão ser votados na generalidade e vai ser criado um grupo de trabalho para desenhar um diploma de raiz na Comissão Parlamentar de Saúde, depois de ouvidos vários técnicos sobre o assunto.
A união dos diferentes contributos "traz benefícios", explicou ao i a deputada do PS, Maria de Belém. A deputada esclarece que, além do testamento vital, ou "consentimento informado", o projecto socialista é mais "lato" e legisla ainda sobre o "direito à informação."
Também o PSD se mostrou favorável a uma discussão na especialidade das diferentes propostas legislativas. Fernando Negrão explicou ao i que o projecto do PSD é diferente dos restantes, porque "não considera vinculativa a declaração de vontade" do doente, ou seja, é necessária uma declaração do médico de que o doente foi informado sobre os tratamentos existentes e a opinião sobre o caminho a seguir. Apesar desta proposta acrescentar à vontade do doente uma necessidade da opinião do médico, Negrão não acredita que seja "incompatível" com as dos outros partidos. O deputado defende ainda uma discussão técnica sobre o regime.
O deputado do Bloco de Esquerda, João Semedo, também não encontra incompatibilidades, mas salienta as diferenças em relação ao proposto pelo CDS: "Não é um testamento vital, porque aquilo que permite ao cidadão é o que a lei já consagra", mas defende a discussão de todos os contributos.
O CDS não concorda com esta leitura e defende que o documento proposto pelos deputados democrata-cristãos "tem uma aplicação mais prática que vai ao encontro de situações mais complexas", disse ao i a deputada Isabel Galriça Neto. A grande diferença do projecto do CDS é que "não fala de questões de eutanásia", esclarece Isabel Galriça Neto garantindo que "essa distinção está consagrada no texto do CDS, ao contrário dos outros projectos, em que um ou outro ponto não está de acordo com este princípio." O PCP - que só vai apresentar propostas na discussão na comissão de Saúde - quer discutir o "peso que tem a opinião do médico" explicou o líder da bancada. Bernardino Soares quer também definir o tempo de validade entre a declaração e o tempo da situação de validade, uma vez que nesse hiato de tempo pode haver evoluções na medicina com influência na opinião do doente.
Os partidos recusam que este seja um passo antes de se legislar sobre a eutanásia, que são dois assuntos que devem ser tratados em separado."

www.ionline.pt - Liliana Valente , Outubro de 2010