Democracia e Filosofia política

"A filosofia política em tempos democráticos tem perante si um desafio:
assegurar a sua presença e a sua pertinência, mas sem ceder à pressão da respeitabilidade, que não é menos do que o primeiro passo para a usurpação da ideologia. Tem de ser fiel a si mesma e, embora não ambicionando a respeitabilidade, ser responsável. Tem de acompanhar as regras do regime político, sem se deixar vergar por elas. Para ser responsável e verdadeira não pode confundir o afastamento que previne a usurpação ideológica com o reconhecimento do valor da democracia. No seu compromisso com a responsabilidade e com a verdade, a filosofia política reconhece e elogia a extraordinária destreza prática da democracia e discerne sem ambiguidades a inferioridade dos seus inimigos históricos, não só das alternativas passadas dos fascismos e dos bolchevismos, mas também das sempiternas tentações do devaneio romântico de fazer da política e da cidade o balão de ensaio para momentos poéticos de inspiração. Mas deverá fazê-lo sem ser servil. A temperança e a consideração pelo bem dos indivíduos e do colectivo de que fazem parte não a sujeitam a ser o eco das suas pretensões. A temperança é também a luta contra a ideologia, porquanto esta palavra serve bem de sinónimo para a corrupção da filosofia política."

Miguel Morgado in www.scielo.oces.mctes.pt