Educação ambiental - Philippe Layrargues

"A educação ambiental é um vetor de mudança social? Tudo indica que sim. Faz cerca de trinta anos que nos acostumamos com a idéia da necessidade da inclusão da dimensão ambiental na Educação, como uma reação do sistema educativo à crise ambiental. Nesse período, uma conjunção de fatores (como a concepção naturalista de meio ambiente, o predomínio de profissionais oriundos da biologia como educadores ambientais, o predomínio de órgãos governamentais ambientais como proponentes de políticas e programas de educação ambiental, a omissão científica na incorporação da educação ambiental como um objeto de estudo da sociologia ambiental e da sociologia da educação) acarretou na ecologização da educação ambiental, moldando-a conforme o modelo de uma educação conservacionista, confundida muitas vezes com o ensino de ecologia, quer dizer, o estudo da organização estrutural e funcionamento dos sistemas ecológicos, embora agora atravessado pela percepção da fragilidade de tais sistemas em função da ação antrópica.
Em sintonia com essa percepção, há ainda a crença de que basta a aquisição de conhecimentos ecológicos para se alcançar uma mudança de comportamento individual, e que o somatório dos comportamentos individuais traria enfim a materialização da nova relação humana com a natureza (na mais genuína expressão liberal, diga-se de passagem, como frequentemente nos adverte Mauro Guimarães em seus escritos).
Com tudo isso, cristalizou-se a idéia de que a educação ambiental possui vínculos unicamente com a mudança cultural, ou seja, com a reversão da crise ambiental de modo linear com a instauração de uma nova ética, a ecológica, sem qualquer correlação com as condições sociais. Em outras palavras, a imagem que se forjou sobre a função da educação ambiental parece estar majoritariamente assentada na dimensão ética do relacionamento humano com a Natureza, colocando a dimensão política do relacionamento entre os humanos em segundo plano, como se tratasse de um outro universo de questões que não possuem qualquer ponto de contato entre si. Assim, exige-se do cidadão comum uma mudança cultural que resultará em pequenas e relativamente confortáveis mudanças individuais nos hábitos cotidianos na esfera privada, como o consumo sustentável e a reciclagem por exemplo, com a confiança de que haverá solução tecnológica para todos os impasses modernos, que esses sim, serão discutidos e implementados no âmbito da esfera pública, ainda distantes do cidadão comum.
Por causa disso, e não é exagero repetir, a percepção da educação ambiental no senso comum aproximou-se da concepção de Educação apenas como um instrumento de socialização humana (embora agora ampliada à Natureza), mas afastou-se da concepção de Educação como um instrumento ideológico de reprodução das condições sociais. Contudo, apesar de grande parte dos esforços na educação ambiental serem dirigidos para a dimensão ética no relacionamento humano com a Natureza, onde se pretende torná-la um Bem em si, com seu valor intrínseco, ela continua sendo uma Mercadoria (seja na forma de produtos ou serviços ecológicos), com um valor de troca.
Queremos proteger a água pura, por exemplo, que em tese é um Bem em si, mas nos esquecemos que ela está em vias de ser completamente privatizada, sem a adequada discussão a esse respeito na educação ambiental, com as devidas interpretações de seus significados ideológicos. Aliás, fala-se muito acerca da escassez absoluta de água potável no planeta, onde se verifica a preciosidade que é a água doce no mundo, mas nos esquecemos de falar sobre a escassez relativa da água no território, onde se verifica a desigual distribuição entre os humanos, para as distintas formas de apropriação e os diferentes usos desse recurso. Como se percebe, a tentativa de generalização da “humanidade” enquanto agente causador da crise ambiental, encontra paralelo na generalização da escassez absoluta da água, um artifício ideológico que auxilia a camuflagem de que existem sujeitos sociais específicos.
Assim, a repartição dos benefícios (a geração de riqueza) e prejuízos (a geração de danos e riscos ambientais) do acesso, apropriação, uso e abuso da Natureza e recursos ambientais em geral, através do trabalho na sociedade capitalista, é sempre mediada por relações produtivas e mercantis, e como tal, está sujeita à assimetria do poder nas relações sociais, expondo ao risco ambiental os grupos sociais vulneráveis às condições ambientais em processo de degradação (como as populações marginalizadas nos centros urbanos), ou dependentes de recursos naturais em processo de exaustão (como as populações indígenas e extrativistas) agravando a já delicada situação de opressão social e exploração econômica a que tais grupos sociais são impostos pelos setores dirigentes. É nessa perspectiva que emerge a concepção da questão ambiental como uma questão eminentemente de justiça distributiva, tornando a gestão dos conflitos socioambientais democrática e participativa a maior bandeira de luta ecologista libertária e progressista."
 
Philippe Pomier Layrargues - MUITO ALÉM DA NATUREZA: EDUCAÇÃO AMBIENTAL E REPRODUÇÃO SOCIAL