EcoÉtica - o novo Paradigma Ético: o "Princípio da Responsabilidade"

"As bombas atómicas e suas consequências foram, no entender de Hans Jonas, o que “pôs em marcha o pensamento em direcção a um novo tipo de questionamento, amadurecido pelo perigo que representa para nós próprios o nosso poder, o poder do homem sobre a Natureza”. Percebeu também que, além do choque agudo sofrido, se iniciaria uma crise crónica e gradual decorrente do perigo crescente dos riscos do progresso da tecnociência e seu uso perverso.
Kant dizia: “Age de tal modo que possas querer também que a tua máxima se converta em lei universal”. O “poder querer” pressupõe não uma moral mas que seres dotados de razão e capacidade de acção a pensem sem auto-contradição, logo, com perfeita concordância e harmonia lógica, podendo ser aplicada universalmente à comunidade.
Hans Jonas, tendo Kant por referência, apresenta imperativos para o novo tipo de acções em reflexão:
“Age de tal modo que os efeitos da tua acção sejam compatíveis com a permanência duma vida humana autêntica na Terra”
ou
“Age de tal modo que os efeitos da tua acção não sejam destrutivos para a futura possibilidade dessa Vida”
ou
“ Inclui na tua eleição presente, como objecto também do teu querer, a futura integridade do Homem”
ou
“Não ponhas em perigo as condições da continuidade indefinida da Humanidade na Terra”
Aqui também não há contradição racional: “pode-se querer” o bem presente sacrificando o futuro; “pode-se querer” o próprio fim… mas no quarto imperativo propõe-se e apresenta-se que: não nos é tirada a legitimidade de arriscar a própria vida mas não nos é lícito arriscar a vida da Humanidade!
Mas será que existe uma obrigação para com aqueles que ainda não existem e, não existindo, nem sequer podem exigir ou têm direito a exigir uma existência?!
Não é fácil justificar teoricamente e talvez até seja impossível fazê-lo sem recurso à metafísica.
Porquê “homens no futuro”? Na visão da ética clássica e antropocêntrica, temos o interesse (e obrigação) moral de defesa e manutenção da espécie humana, o que remete para teses éticas indemonstráveis: no futuro deverá haver sempre um mundo apto para que o homem o habite e que a humanidade sempre seja digna desse nome; a existência dum mundo é melhor que a sua inexistência. Parte-se, então, deste axioma.
Voltando ao imperativo categórico de Kant, sendo dirigido ao indivíduo e ao instantâneo (visão antropocêntrica), este convida a pensar no que poderia acontecer se a “máxima” da nossa acção actual se convertesse em princípio de uma legislação universal. Mas este “novo tipo” de acções e suas consequências não estão contempladas. Além disso, o princípio não é o da responsabilidade objectiva mas subjectiva e hipotética.
Hans Jonas propõe como “guia de reflexão ética” o próprio perigo que se prevê, possíveis desfechos no futuro, antecipação do impacto planetário, consequência na Humanidade, entre outros cenários, que podem orientar os princípios éticos e novos deveres no novo poder. Chama-lhe a “heurística do temor”, isto é, só a previsão da desfiguração e auto-destruição do Homem nos ajuda a reflectir sobre o que há que preservar e priorizar no Homem, face a tais perigos”, e assumir uma posição ou decisão sobre o que se “possa querer”.
Apenas sabemos o que está em jogo quando sabemos quem está em jogo! E o que está em jogo é: o destino do homem; o conceito que possuímos dele; a sobrevivência física da Humanidade e do planeta; a integridade da sua essência. Tal nos (re)conduzirá ao conceito de responsabilidade, elemento central nesta nova ética.
Só porque temos a capacidade de alterar os modelos atmosféricos em grandes regiões da Terra e criar novas formas de vida, será que temos o direito de fazer tais coisas?
O problema não é o conhecimento por si só, é antes a aplicação que se lhe dá! Logo, a questão que subsiste para o futuro não tem tanto a ver com o desenvolvimento das próprias tecnologias, mas sim com a forma sábia de implementa-las nas nossas vidas.
Logo, esta nova ética, além de responsabilidade, exige, sabedoria, conhecimento e humildade.
A inevitável dimensão universal da tecnologia moderna faz com que se reduza cada vez mais a distância saudável entre os desejos quotidianos e os fins últimos, entre as ocasiões de exercer a prudência usual e de exercer uma sabedoria iluminada. Dado que actualmente vivemos sob um utopismo incorporado em nós, automático, exige-se uma maior sabedoria na decisão e acção.
Por outro lado, e assumindo que não se detém o saber preditivo, reconhece-se a nossa ignorância (apesar de muitas especulações e algumas certezas) acerca das consequências das acções humanas, designadamente, do foro ético. Reconhece-se, ainda, a possível irreversibilidade. Assim, é exigido conhecimento (know-how com apoio científico, inclusivamente) pois a nova ética deverá ser uma “ética informada” e exigente quanto às suas fontes. É recomendado que o novo paradigma integre a vigilância do nosso desmesurado poder, sua monitorização e actualização de conhecimentos… só assim procederá a orientações dotadas de propriedade e adequação.
Acresce-se, por fim, a solicitação duma nova classe de humildade, não devida à nossa insignificância (como no passado) mas devido à excessiva magnitude do poder da técnica ao serviço do Homem, ou seja, desproporção entre capacidade de fazer relativamente à capacidade de prever e valorizar ou julgar.
A ignorância das consequências últimas será em si mesma uma razão suficiente para a moderação responsável, que implicará o exercício da sabedoria e a necessidade da humildade.
E o bem da Natureza de per-si? A responsabilidade do Homem não deverá ir além de si próprio, sob pena de se tratar de mero interesse utilitário? Obviamente que sim! Estando a Natureza à mercê do Homem e passível de ser alterada radicalmente, este passa a manter com ela uma relação também de responsabilidade. Daí que a nova ética de Hans Jonas inclua a Natureza e a Ecologia — Ecoética.
O desenvolvimento do poder científico-tecnológico moderno modificou o carácter da acção humana. O impacto é a nível colectivo e não individual, global e não local, portanto com magnitude incomparável. Logo, estamos perante um cenário de âmbito colectivo, sob a forma de política pública. Do mesmo modo, também a política se vê mudada porque se mudou a essência da acção humana, muda a essência básica da política.
Surge a dúvida sobre a capacidade dos governos representativos para responder adequadamente com os seus princípios e procedimentos habituais a estes novos desafios e exigências. Isto porque o que, regra geral, vem a prevalecer são os “interesses presentes”; é perante o “presente” que se presta contas e não mediante o “abstracto”; o futuro não está representado em nenhum grupo; o que não existe não é um lobby e os não-nascidos não exercem poder; os vindouros não têm peso na decisão actual e no futuro não será feita a cobrança porque nós já não estaremos cá.
Então que força deve representar o futuro no presente? Eis o que é preciso estabelecer no sistema de deveres e direitos.
O novo imperativo de Hans Jonas dirige-se essencialmente à política pública e tem em vista o prazo longínquo. Apela a outro tipo de concordância: não à das acções no imediato mas à dos efeitos últimos da continuidade da actividade humana, no futuro. A universalização não é hipotética (se eu, se nós…) mas antes remetida ao Todo colectivo, atendendo à medida real da sua concretização.
Efectivamente, estas teorias que apontam para o futuro, exigem aplicação no presente (tempo fundamental para decidir o futuro nos seus vários prazos). São protagonistas fundamentais os legisladores e governantes. A aspiração do legislador deverá ser o estabelecimento duma forma política viável, e a prova da sua viabilidade radica na sua duração – inalterada quanto possível – deste que foi criada. O melhor Estado é também aquele que promove e zela o melhor para o futuro.
Se atendermos ao facto que outros sonhos utópicos da humanidade se vieram a concretizar, e considerando o que está em causa no Princípio da Responsabilidade, esta ética acaba por se afigurar até modesta!"

in http://www.audepublica.web.pt/TrabCatarina/Ecoetica_CMeireles.htm