O trabalho e as férias - por Anselmo Borges



Quando se fala de trabalho, é preciso ter em atenção algumas questões prévias, fundamentais.
Primeiro, o trabalho deve ser visto no seu sentido amplo. Assim, tanto trabalha o agricultor como o operário, o engenheiro, o estudante, o médico ou o professor.
Depois, é interessante observar como, apesar de tudo, mesmo etimologicamente, há diferença entre tipos de trabalho. Perguntamos a alguém que está no labor de uma investigação ou na redacção de um trabalho científico: como vai o seu trabalho? Podem dizer-nos: gosto do que faço, o meu trabalho realiza-me. Mas também: meti-me em trabalhos. No quadro do trabalho duro, diz-se mesmo trabalho - de tripalium, o tal instrumento romano de tortura -, mas referimo-nos ao trabalho criativo como obra: alguém deixou uma obra, publicou as suas obras completas - a raiz é o grego ergon, como pode ver-se no alemão Werk. Mas também se diz: anda nas obras.
Sobretudo não se pode ignorar que, dada a revolução tecnocientífica, cada vez mais o trabalho vai tornar-se um bem escasso, que será necessário repartir de modo justo e com todas as consequências. É aqui que me vêm à mente duas referências que já aparecem no meu livro Religião: Opressão ou Libertação? Há muito que o matemático e filósofo Bertrand Russell, Prémio Nobel da Literatura, escreveu que bastaria trabalhar quatro horas por dia e o físico Hans Peter Dürr, Prémio Nobel Alternativo, também disse que, para produzirmos o que é realmente importante, precisaríamos apenas de um terço do nosso tempo de trabalho. O resto do tempo seria para a cultura, para o ócio da criação. Portanto, não há aqui de modo nenhum a apologia da preguiça - do preguiçoso diz a Bíblia: "O preguiçoso é semelhante a uma pedra cheia de lodo; é semelhante a um punhado de esterco; quem lhe tocar sacudirá as mãos." É de um horizonte outro de vida que se trata.
Mas o trabalho implicará sempre esforço, sacrifício, cansaço. Daí também a necessidade do ócio, da festa, do jogo, do tempo livre, das férias. Que palavra mágica: férias, ir de férias!... Feria (no plural, feriae) tem o sentido de "descanso, repouso, paz, dias de festa". No século III, a Igreja assumiu os dias da semana como dias de "comemoração festiva", enumerando-os como prima feria, secunda feria, tertia feria, quarta feria, quinta feria, sexta feria. Ao contrário de outras línguas, como o espanhol ou o francês, que adoptaram a classificação romana baseada na divinização de um planeta: Lunes, Martes, Lundi, Mardi, etc., o português, ao seguir a terminologia eclesiástica, designou os dias da semana como segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira - o Sábado aparece vinculado ao hebraico e o Domingo (de Dominus), ao latim e designando o Dia do Senhor.
Até do ponto de vista histórico e etimológico, aí fica o carácter festivo associado às férias. Esta associação é tanto mais significativa quanto isso está presente noutras línguas, a partir de vias etimológicas diferentes. Veja-se vacaciones (espanhol) e vacances (francês), que têm o seu étimo no latim vacatio, com o sentido de isenção, dispensa de serviço. Os ingleses em férias estão on holidays, isto é, em dias santos. Os alemães têm Ferien e Urlaub, sendo a raiz de Urlaub Erlaubnis, com o sentido de dias livres de serviço e trabalho.
Na Bíblia, diz-se que Deus trabalhou seis dias e ao sétimo descansou e mandou que o homem tivesse um dia santo, sem trabalho, em cada semana. Para o gáudio da festa, do repouso e da liberdade.
O homem é homem no trabalho e na festa. É preciso reencontrar a alegria da transcendência, da criação, do estar repousado consigo próprio, da quietude contemplativa, do silêncio, da exaltação com o mistério das coisas, do fluir parado do tempo, da plenitude da música e da poesia, do perfume de uma rosa sem porquê, como disse o místico Angelus Silesius. Também a alegria da viagem, não para, depois, martirizar os amigos com fotografias e vídeos narcisistas, mas para o encontro de culturas outras e outros modos de ser homem e mulher e dialogar e aprender. Porque o homem é faber, mas também é festivus; laborans, mas também ludens.
ANSELMO BORGES in DN