Agências de Rating e mercados - que responsabilidade?


Quando povos inteiros são espoliados do seu próprio futuro, as emoções ocupam um lugar desmesurado na forma como representamos o mundo. As paixões também têm a sua retórica, os seus tropos preferidos. Em vez de juízos fundamentados, enfrentamos sentenças peremptórias. Em vez do esclarecimento das causas, verificamos a identificação das culpas. Em vez de argumentos, temos processos de intenção.
Nos dias que correm, os mercados têm sido o alvo de ataques desesperados. Os motivos para esse ataque são legítimos, mas a substância dos mesmos carece de base racional. Os mercados não são criaturas morais. São instituições agregadas, plurais e caóticas, construídas na base do desejo e da avidez. São milhões de átomos individuais, formando uma cadeia alimentar completa. Nessa cadeia trófica apenas uma pequena parte é formada por predadores profissionais de topo, pela classe de investidores que aposta em lucros gigantescos com base na volatilidade, real ou induzida, de uma presa a abater (seja ela uma empresa, ou um país inteiro, como estamos a aprender à nossa custa). Na maioria dos casos, os mercados são constituídos por pacíficos "herbívoros", agentes modestos, que querem garantir a segurança das suas economias, das suas poupanças de uma vida de trabalho. A volatilidade resulta desse jogo de esperança e medo, de ganância e pânico, que faz a essência dos mercados.
Mas se os mercados não são sujeitos morais imputáveis, o mesmo já não se pode dizer dos governos que os deveriam regular. A ideologia ainda prevalecente na Europa acredita na bondade dos mercados não regulados, da mesma forma que os leitores desatentos de Rousseau acreditaram na bondade natural do homem. O resultado desta última crença desaguaria nos Gulags totalitários do século XX. O resultado da ideologia política europeia, que se recusa a colocar um freio a um mercado que está "para além do bem e do mal", será a tragédia global que, agora, apenas se vislumbra. Pensar que as agências de rating são susceptíveis de autoregulação é o mesmo que acreditar que Estaline poderia ter sido um campeão dos direitos humanos. Os mercados não têm culpa. Os governantes e as políticas que os deixam em roda livre, esses, sim, são os culpados.
in DN: VIRIATO SOROMENHO-MARQUES