Medos e Invejas - por Isabel Sá Lopes (argumentação)

"No antigo regime o medo reinava, havia medo de tudo; a ditadura amedrontava, levava a impedir a acção, a não usar as palavras escrita ou oral contra o poder instituído; todos sabiam que quem afrontasse o estado ditatorial seria preso, torturado e até assassinado.
Esse regime tenebroso e longo inculcou nos portugueses um medo atávico e apesar da queda do regime em 1974 esse medo não desapareceu. Continua a existir em relação à submissão hierárquica e embora atenuado apareceu um medo diferente.
Apareceu o medo do rival, do colega, dos candidatos ao emprego, o medo de todos os outros. Esse medo é constantemente agravado pela falta de auto-estima do povo português. Os outros, os estrangeiros são sempre melhores do que nós.
Só damos valor aos nossos depois de terem sido reconhecidos no estrangeiro.
A nossa, às vezes, excessiva simpatia com os de fora, resulta da nossa falta de auto-estima e, por vezes, demonstramos até uma certa subserviência em relação a eles.
Em Portugal os trabalhadores portugueses resistem a dar o seu melhor, têm medo de ser avaliados, têm medo das singularidades do outro. Já os Romanos diziam dos Lusitanos: “É um povo que não se governa nem se deixa governar”.
A par desse medo e em consequência dele surge a inveja; a inveja leva a que não se combata frontalmente o adversário, a que se encubram os conflitos.
Antes do 25 de Abril havia uma série de sentimentos negativos contra o país, tais como desprezo, abjeção, desgosto do nivelamento por baixo e da falta de liberdade.
Após o 25 de Abril dá-se um salto imenso e, sem preparação, as pessoas atiram-se à caça de bons lugares e, claro, por isso um alastrar de invejas.
A inveja não concorre para a acção, a inveja paralisa. Há olhares de inveja, silêncios prolongados, inflexões de voz que não são susceptíveis de confronto porque não são transformados em palavras; sendo conscientemente produzidos e completamente compreendidos, não são passíveis de ser provados. Se até a palavra oral não serve de testemunho, como poderá sê-lo um silêncio, um olhar, uma inflexão de voz…
A inveja é silenciosa, sub-reptícia, ataca o invejado e faz sofrer também o invejoso.
O pior que daí resulta é que a inveja leva à paralisação da dinâmica da pessoa invejada, que, muitas vezes, fica sem forças para continuar a acção e desanima.
Quem surja como diferente ameaça a noção de que todos são iguais, em que a inveja acredita e deseja continuar a acreditar.
O invejoso quer nivelar por baixo e acostumou-se a isso na ditadura. Algo que surja como individual, diferente ou fora do comum é logo rejeitado.
Por que não perder o medo e a inveja, fomentar a auto-estima, dar o seu melhor, apoiar e apoiar-se na singularidade e na diferença positiva dos outros?
Os nossos emigrantes foram obrigados a deixar o país nas piores circunstâncias e demonstraram ser capazes de contribuir para criar riqueza nos outros países. Por que não todos os portugueses quererem fazê-lo como eles, em Portugal?
O nosso país está a atravessar um momento muito difícil. Só vai para a frente se cada um dos portugueses der o seu melhor, consciente que está a fazê-lo por si, para si e pelo seu país."

Isabel Sá Lopes in jornaldascaldas.com