O acordo ortográfico - por Inês Cantante

Como sabemos, a linguagem é de fundamental importância para todos e cada um de nós. Palavras, palavras e palavras. Sim, palavras que se juntam e se combinam de tantas maneiras quantas conseguirmos imaginar. E quando nos cansarmos das palavras que conhecemos – Ah, as maravilhas da linguagem! – podemos recombiná-las para formar novas palavras. Palavras de apoio, palavras de desalento, palavras de ódio, palavras de carinho; palavras, palavras e palavras!
O que seria de nós sem elas? São elas que nos permitem comunicar. São elas que nos ensinam tudo o que sabemos. São elas que, sem mesmo nos apercebermos, nos definem. Como? A imprevisível combinação de palavras que, num momento crucial, proferimos é o que diz quem somos.
Sim, a linguagem é de fundamental importância para todos e cada um de nós. A linguagem que, desde sempre todos conhecemos e todos aceitámos. E como escrever o que dizemos? Eis a questão: como escrever o que dizemos? Será correcto mudar tudo o que sabemos, mantendo, ainda assim, a nossa noção de linguagem?
Sabendo que cada país tem o seu próprio idioma, e que todos os idiomas são diferentes, podemos afirmar que cada idioma é património imaterial do respectivo país. O idioma evoluiu, até que chegou a uma altura em que conta, como que a narrar uma história, o seu passado, os caminhos por onde a língua passou até ser o que é, hoje. Ao chegar a este ponto, não faz sentido haver um conjunto de alterações tão profundas que menosprezem, ou cheguem mesmo a ignorar, as origens do idioma em questão. O que se passa é que a primeira evolução que atrás referi contribuiu para que houvesse uma uniformização da língua em si, e a evolução que o novo acordo propõe é uma união entre línguas diferentes, com passados diferentes. Uma união que, na nossa opinião, é extremamente difícil de alcançar de modo uniforme. É certo que poderão pensar que, ao haver uma junção entre duas línguas, existe uma maior facilidade na comunicação, ao que se responde que tal não podia estar mais longe da verdade. Repare-se que, via oral, a comunicação mantém-se exactamente igual, visto que se tratam de idiomas cujo sotaque é diferente. Repare-se ainda num outro aspecto, a comunicação sempre existiu, não só com países de língua oficial Portuguesa, especialmente o Brasil, mas também com outros países; com maior ou menor facilidade, dependendo não da língua em si, mas do à-vontade de cada um neste campo.
Defensores do Novo Acordo Ortográfico são da opinião que este servirá para estreitar laços entre pessoas de nações diferentes, bem como para aproximar culturas. Na verdade, o mesmo idioma não significa a mesma cultura, e não há, obrigatoriamente, proximidade entre nações.
Além disto, o Novo Acordo contém ambiguidades e imprecisões. Como todos os programas normativos, dirão vocês. Tal não será verdade e, se algum programa normativo contiver imprecisões, até hoje ainda não foram descobertas, ou ainda, se foram, não em tão elevado número como as já encontradas em tão pouco tempo no Novo Acordo Ortográfico.
Diz-se que este acordo serve, como já disse, para simplificar a escrita e que, com a simplificação desta, o número de analfabetos no país diminuirá. No entanto, devem ter-se em atenção dois aspectos fundamentais; primeiro, o analfabetismo é, como sempre foi, motivado por causas de carácter financeiro e/ou de vivências pessoais que não permitam a frequência numa escola, e não pela maior ou menor complexidade da ortografia. Segundo, e repare-se que tal se deveu ao maior desenvolvimento do país, a população com cursos superiores aumentou e a escrita era, no entanto, a mesma.
Falando em cursos superiores, deve falar-se, então, no sistema educacional que, de qualquer modo, é desequilibrado com a chegada deste novo acordo. Ainda que, como muitos dirão, a matéria leccionada seja a mesma, a verdade é que nenhuma disciplina consegue escapar ao período de adaptação à nova escrita, nem mesmo a Matemática, onde até a recta perde a curva do C! Mas, de longe, o Português é a principal vítima, onde a verdadeira essência da escrita se desvanece, onde as palavras esquecem todo o seu passado, como se de amnésia se tratasse, onde toda uma noção de linguagem deixa de existir, apenas para ser substituída por outra, desprovida de origens e, portanto, de sentido. É, então absurdo obrigar quem até hoje, com dedicação e trabalho, construiu uma noção a, repentinamente, alterá-la. Ainda mais absurdo é adoptar um novo acordo ortográfico e uma nova Gramática ao mesmo tempo. Há, na verdade, uma alteração de tudo o que foi aprendido, de uma forma drástica e célere.
Além disso, Vasco Graça Moura afirma que este novo acordo não tem, realmente, origem em questões linguísticas, antes em questões económicas e políticas, contrapondo o argumento de ampliação do mercado que é usado para defender a adopção deste. Pensando bem, a mudança na escrita não vai ajudar à difusão do Português, cuja seriedade e origens são agora subvalorizadas, para além de que, obviamente, estas alterações têm custos que, usualmente, não são referidos.
Curiosamente, a assinatura deste acordo foi proposta a todos os países de língua oficial portuguesa, o que, no entanto, não se verificou. De facto, o novo Acordo Ortográfico não foi aprovado em Angola (prevendo-se que isso aconteça apenas em 2013), nem em Macau e na Galiza. Em situações diferentes estão Moçambique, que assinou mas não ratificou, e S. Tomé e Príncipe e Timor-Leste, que assinaram e ratificaram, mas não puseram em vigor a nova escrita. De facto, em vigor, apenas em Portugal, Cabo Verde e Brasil.
Em suma, será este novo acordo ortográfico aceitável? A resposta é óbvia, rápida e simples: não. Tudo irá mudar. O nosso património irá perder-se. O nosso passado irá esquecer-se. As nossas origens desaparecerão e um dia, quando alguém, audaciosamente, decidir perguntar “porquê?”, nós não saberemos responder, como outrora soubéramos. Tudo irá mudar. Com certeza que, quem hoje passa por isto, nunca esquecerá que o fez. Tal como quem passou pelo 25 de Abril, nunca esquecerá que o fez. Tal como quem passou por uma tremenda guerra, nunca esquecerá que o fez. Mas quando, daqui a uns anos, novas gerações vierem, já nada haverá a fazer; os seus elementos apenas saberão que esta mudança existiu, mas não saberão o que existia antes dela. Tudo irá mudar.
Inês Cantante (11º ano)