Ser português... , por Helder Costa

Ser português é Zé Povinho… ”… ele é paciente, crédulo, submisso, humilde, manso, apático, indiferente, abúlico, céptico, desconfiado, descrente e solitário, também não deixa por isso de nos aparecer, em constante contradição consigo mesmo, simultaneamente capaz de se mostrar incrédulo, revoltado, resmungão, insolente, furioso, sensível, compassivo, arisco, activo, solidário, convivente…
Ser português é ser um desenho animado, é ter tiques, bigode e sotaque, ser baixinho e barrigudo, e construir frases só com palavrões.
Ser português é ser diferente, estranhar a diferença, mas respeitar a diferença.
Ser português é miscigenação, é não ser racista mas abrir uma excepção para com os ciganos. É ser motivo de piada pelos brasileiros, mas fazer humor sobre alentejanos e negros.
Ser português é ser patriota mas não conhecer a bandeira, o hino nem os heróis.
Ser português é ser navegador e conquistador.
Ser português é emigrar um mês e voltar, e esquecer a sua língua nativa, o português.
Ser português é fazer história mas não a conhecer, é esquecer os seus heróis mas lembrar os ditadores.
Ser português é ser poeta mas não saber ler nem escrever.
Ser português é ser poliglota, é ser contra o acordo ortográfico mas não diferenciar palavras homónimas, homófonas, homógrafas e parónimas.
Ser português é axaxinar o Portuguex ao eskrever.
Ser português é ser do contra, mas não se manifestar, é reclamar mas esperar que os outros apresentem queixa por si.
Ser português é prosas, piropos e poesias… É fadistas sem fado.
Ser português é música, é pertencer a um rancho, é cantar ao desafio, é improvisar.
Ser português é saudade, é saber receber, é dar sem se ter.
Ser português é não se governar nem se deixar governar, é comprar quando não se deve e vender quando não se quer.
Ser português é troçar do agricultor, é ser doutor, engenheiro ou professor.
Ser português é não respeitar quem o respeita, . É berrar, gritar e chorar, é reclamar mas não se queixar. É dar um murro na mesa mas, pedir desculpa por pedir desculpa.
Ser português é desconhecer o sentido de civismo, é estacionar em cima do passeio e tentar passar à frente na fila de espera. É cunhas, tachos e colheres.
Ser português é ser educado em privado mas cuspir e urinar em público.
Ser português é paz na rua mas guerra em casa.
Ser português é ser trabalhador mas não ser competitivo, é ser competente mas não gostar de trabalhar.
Ser português é desenrascar, improvisar, suar, sofrer e chorar, mas fazer.
Ser português é comprar casa, carro, mulher, é viver endividado mas viver à grande e à francesa!
Ser português é desrespeitar o código da estrada e fazer sinal de luzes para avisar os maus condutores.
Ser português é ter mau gosto, é merendas em vez de piqueniques, é bandeiras à janela e roupa interior a secar à varanda.
Ser português é cheiro a castanhas assadas nas ruas da cidade e a sardinha nas festas populares.
Ser português é ter fé, ter fé que o pior já passou. É ser católico mas já ter ido à bruxa.
Ser português é não fazer exercício físico.
Ser português é ser relaxado mas mal encarado, é acender o cigarro a qualquer hora e em qualquer lugar sem quaisquer preocupações.
Ser português é alegria, sorrisos e gargalhadas.
Ser português é família. É visitar os pais e avós ao fim-de-semana e viver em casa dos pais até aos 30. É futebol ao domingo à tarde e violência doméstica ao final do dia.
Ser português é ser vizinho, é chamar tio ao vizinho da frente e ao desconhecido.
Ser português é gastronomia, regar o bacalhau com azeite, é caldo-verde, é cozido.
Ser português é petiscos, é caracóis, marisco, moelas e tremoços. É sopa ao pequeno almoço, é cerveja fresca ao meio da manhã e vinho ao almoço e jantar.
Ser português é saber fazer, é suor e calçadas à portuguesa.
Ser português é - segundo o velho ditador, «…aquela doçura de sentimentos, aquela modéstia, aquele espírito de humanidade, tão raro hoje no mundo; aquela parte de espiritualidade que, mau grado tudo que a combate inspira ainda a vida portuguesa; o ânimo sofredor; a valentia sem alardes; a facilidade de adaptação e ao mesmo tempo a capacidade de imprimir no meio exterior os traços do modo de ser próprio; o apreço dos valores morais; a fé no direito, na justiça, na igualdade dos homens e dos povos; tudo isso, que não é material nem lucrativo, constitui traços do carácter nacional. Se por outro lado contemplamos a História maravilhosa deste pequeno povo, quase tão pobre hoje como antes de descobrir o mundo; as pegadas que deixou pela terra de novo conquistada ou descoberta; a beleza dos monumentos que ergueu; a língua e literatura que criou; a vastidão dos domínios onde continua, com exemplar fidelidade à sua História e carácter, alta missão civilizadora – concluiremos que Portugal vale bem o orgulho de se ser português.»
Helder Costa - in engenium.net