Ciência: um conhecimento objectivo-subjectivo

Alguns pensadores actuais vêem sinais de que o paradigma emergente da cientificidade tende a superar a antinomia objectividade / subjectividade, levando a ciência a reconhecer-se na fronteira onde convivem a arte, a religião e a filosofia, que até agora foram as representantes do mundo subjectivo, das vivências e dos valores.
«A ciência moderna consagrou o homem enquanto sujeito epistémico, mas expulsou-o, tal como a Deus, enquanto sujeito empírico. Um conhecimento objectivo, factual e rigoroso, não tolerava a interferência dos valores humanos ou religiosos. Foi nesta base que se construiu a distinção dicotómica sujeito/objecto. No entanto, a distinção sujeito/objecto nunca foi tão pacífica nas ciências sociais quanto nas ciências naturais e a isso mesmo se atribuiu o maior atraso das primeiras em relação às segundas. Afinal, os objectos de estudo eram homens e mulheres como aqueles que os estudavam [...].
No domínio das ciências fisico-naturais, o regresso do sujeito fora já anunciado pela mecânica quântica ao demonstrar que o acto do conhecimento e o produto do conhecimento eram inseparáveis. Os avanços da microfísica, da astrofísica e da biologia das últimas décadas restituíram à natureza as propriedades de que a ciência moderna a expropriara […].
A nova dignidade da natureza mais se consolidou quando se verificou que o desenvolvimento tecnológico desordenado nos tinha separado da natureza em vez de nos unir a ela e que a exploração da natureza tinha sido o veículo da exploração do homem. O desconforto que a distinção sujeito/objecto sempre tinha provocado nas ciências naturais propagava-se assim às ciências naturais. O sujeito regressava na veste do objecto. Aliás, os conceitos de «mente imanente», «mente mais ampla» e «mente colectiva» [...] e outros constituem noticias dispersas de que o outro foragido da ciência moderna, Deus, pode estar em vias de regressar. Regressará transfigurado, sem nada de divino senão o nosso desejo de harmonia e comunhão com tudo o que nos rodeia e que, vemos agora, é o mais íntimo de nós. Uma nova gnose está em gestação. [...]
Por isso, todo o conhecimento científico é autoconhecimento. A ciência não descobre, cria, e o acto criativo protagonizado por cada cientista e pela comunidade científica tem de se conhecer intimamente antes que se conheça o que com ele se conhece do real. Os pressupostos metafísicos, os sistemas de crenças, os juízos de valor não estão antas nem depois da explicação científica da natureza ou da sociedade. São parte integrante dessa mesma explicação. A ciência moderna não é a única explicação possível da realidade e não há sequer qualquer razão científica para a considerar melhor que as explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia. A razão por que privilegiamos hoje uma forma de conhecimento assente na previsão e no controlo dos fenómenos nada tem de científico. E um juízo de valor. A explicação científica dos fenómenos é a autojustificação da ciência enquanto fenómeno central da nossa contemporaneidade».

B. SOUSA SANTOS, Um discurso sobre as ciências