Democracia e Internet

(Português do Brasil)
"Com um simples clique ativamos navegadores de rede. Software e hardware cada vez mais sofisticados, materializando crescentes índices de aceleração na inovação tecnológica, encurtando espaços entre criação e obsolescência, representam uma nova forma da essência consumista do sagrado descartável. Processadores e placas cada vez mais potentes nos transportam em viagens virtuais quase instantâneas por todos os cantos do mundo, intermediados por redes de telecomunicações cada vez mais eficientes.
Cada microcomputador se transforma numa porta do globo. Talvez seja mais exato afirmar que o monitor do micro é uma janela por onde se vê o mundo todo ou, então, a telinha reduz o globo à palma de nossas mãos. Por ela alcançamos bibliotecas e laboratórios. Entramos em universidades e museus. Vasculhamos editoras e institutos de pesquisa. Por ela lemos jornais e revistas. Assistimos programas de rádio e televisão. Por ela contatamos órgãos governamentais e grupos de contestação. Contatamos pessoas de todos os tipos e de todos os cantos da terra. Por ela todos somos acessíveis ao mundo. Nela tudo se compra e tudo se vende.
A grande rede está-se transformando no verdadeiro sistema nervoso da nova sociedade, conjugando o máximo de diversidade com a universalização plena. Como não poderia deixar de ser, o crescimento da diversidade periférica fortalece o aumento da padronização central: isto se deve à instrumentalização sistêmica da comunicação e da organização social. Este aparente paradoxo está na medula do sistema capitalista.
Não se pode conceber ou analisar os sistemas de comunicação, tanto nos mass media quanto na Internet, sem o paradigma do sistema capitalista. A comunicação cibernética se constitui no sistema nervoso do modelo capitalista e, ao mesmo tempo, na sua principal extensão. Torna-se necessário, portanto, conhecer as entranhas econômicas, ideológicas e políticas do capitalismo, da dominação de classe e da objetivação consumista para deixar de alimentar delírios democráticos em relação à comunicação cibernética.
Como os meios de massa, a grande rede também é um instrumental essencialmente consumista; a amplitude do leque de opções dá ao consumidor a ilusão de liberdade, gerando o devaneio democrático, enquanto, por outro lado, o fortalecimento capitalista aprofunda o globalitarismo. Inexorável e imperativo, o totalitarismo sistêmico do capitalismo se expande e fortifica, sofisticando sua roupagem liberal.
A globalização dogmática, inquestionável e imperialista, inibe a percepção das desigualdades sociais perpetuada na estrutura social. O clímax universal do ilusionismo social, instrumentalizando meios de massa e redes cibernéticas, se alcança quando todos se sentem cidadãos do mundo num espasmo alucinado de igualdade total. A globalização, como dogma central desta versão alienante, constitui-se no processo mais eficaz e mais abrangente de neocolonialismo. As desigualdades se aprofundam, encobertas e amortecidas pela voracidade consumista e pelo delírio igualitário universal.
O globalitarismo adora o capital, deifica a concorrência, propaga o liberalismo, dogmatiza a globalização. O novo culto se realiza nos centros consumistas; sua ideologia se difunde nos meios de massa e nas redes informatizadas. Em seu altar de sacrifícios são imoladas as classes inferiores de todo o mundo, com destaque para os países mais atrasados. Estes foram mantidos cronicamente na condição de colônias, alimentando a ilusão hipócrita da independência e da soberania nacional.
A globalização representa o fim deste teatro grotesco. Finalmente caíram os véus. Não é necessário fingir nacionalidades: todos somos cidadãos globais, numa sofismática e ingênua igualdade social. Trata-se de mais uma forma de sado-masoquismo. Institucional e individual, sistêmico e personalizado, o novo modelo eliminou a percepção das desigualdades estruturais com a panacéia da globalização. Nunca foi tão fácil a exploração do homem pelo homem: o lobo nunca esteve tão bem disfarçado de cordeiro...
A voracidade global transfigurou-se em ingênua igualdade cosmopolita onde as vítimas, seduzidas e hipnotizadas pela velha ideologia agora ambientada na sofisticação da novidade tecnológica, buscam sua própria imolação no altar do capital, despudoradamente desnacionalizado."
Delfim Soares in compuland.com.br