Poder, Cibernética e Democracia


(Português do Brasil)
Novas tecnologias de comunicação surgem com freqüência crescente, ao mesmo tempo que as já existentes se aperfeiçoam. As opções, incrementadas pelo fascínio da tecnologia sofisticada e da novidade, são cada vez mais diversificadas. Esta variante apontaria na direção do aumento da liberdade dentro dos sistemas de comunicação. Por outro lado temos o desejo histórico da classe dominante de construir um modelo de organização social que possa realmente ser caracterizado como sistema
A cibernética viabilizou a concretização deste desejo. Ao projetar o sistema cibernético na organização social, a estrutura social pode finalmente materializar um sistema social. Quando se constata que a essência de um sistema está na organização, na lógica e na eficiência, conclui-se que os elementos periféricos, - consumidores ou cidadãos, - são meros executores das decisões que emanam do centro, - a classe dominante. Desta forma, a funcionalidade sistêmica implica na redução da liberdade individual a uma sensação ilusória. Em outras palavras, a organização sistêmica levaria a democracia para o plano da utopia.
O totalitarismo sistêmico se afirma em todos os setores da organização social e não apenas como sistema de poder. Como sistema de comunicação, a rede cibernética, não foi criada nem se mantém dissociada do sistema de poder. Por si só, esta associação seria suficiente para colocar em dúvida qualquer caracterização democrática.
O sistema de poder domina a grande rede em múltiplos setores. Realçamos o aparato tecnológico, o campo da informação e a instrumentalização consumista da rede. Não podemos esquecer também a capacidade crônica que o sistema tem de contornar e tirar proveito de eventuais situações contestatórias.
Embora computadores pessoais já sejam vendidos em supermercados, ainda estamos muito longe de universalizar o acesso da maioria da população. O poder aquisitivo das massas está ainda distante dos custos do equipamento necessário para acessar a rede cibernética; devem ainda acrescentar-se as despesas com provedores e redes telefônicas.
Quando se confrontam os desníveis nas condições econômicas da população entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, onde poder aquisitivo e custos tecnológicos costumam concretizar uma proporção inversa, detecta-se mais uma forma de aprofundamento das diferenças e do sofisma da globalização que afirma o pressuposto da igualdade ao mesmo tempo que aprofunda as desigualdades, em escala planetária.
Agravando este desequilíbrio, a atualização constante de hardware e software paga um tributo considerável à sua obsolescência cada vez mais precoce.
O pagamento deste tributo é uma necessidade imposta pelas atuais limitações tecnológicas da rede. É necessário melhorar as redes de telefones e de satélites, aumentar a capacidade dos provedores. A capacidade e velocidade de transmissão de dados, da rede até nossos computadores ainda é muito limitada. O mínimo que se espera de hard-ware de comunicação computerizada é a capacidade plena de transmissão de vídeo em tempo real.
O desenvolvimento tecnológico tem um custo. Os consumidores pagam. Mais uma vez se materializa a seleção econômica, num atestado que confirma o uso da grande rede como agente de reprodução das desigualdades sociais.
No plano do controle da informação, a grande rede oferece, à primeira vista, uma liberdade que não se encontra em outros meios institucionais. Convém, no entanto, não alimentar muitas ilusões quanto ao caráter democrático da rede. Sendo uma estrutura criada e mantida pelo sistema, não pode deixar de refletir os interesses que a sustentam. Quando se navega pela rede, se constata a prevalência de home pages institucionais. O fato de a informação ser poder implica na necessidade sistêmica de controle e restrição no acesso. A primazia de endereços institucionais fortalece esta estrutura. A rede fornece essencialmente informação permitida. As dissidências não representam risco considerável para o sistema. Trata-se de uma relativa democracia informativa.
A função que tende a afirmar-se no primado da rede é a universalização consumista. É neste aspecto que mais claramente se manifesta sua instrumentalização econômica. Tudo se vende e se compra pela rede. Realizam-se negócios e administram-se contas bancárias. A rede viabilizou a montagem de um sistema empresarial global, sustentando e fomentando o consumo em escala planetária.
A conseqüência mais evidente é que as desigualdades sócio-econômicas também se universalizam. As distâncias sociais passam do plano regional para o campo planetário; com isso a precariedade democrática também se universaliza.
Um fator importante da organização sistêmica está na capacidade de tirar proveito das adversidades. Numa perspectiva macroscópica do contexto ideológico, as divergências secundárias são freqüentemente toleradas pelo sistema, como forma de amortecer o impacto da homogeneização e, ao mesmo tempo, como apelo democrático mascarando o totalitarismo estrutural. Num segundo estágio, o sistema tende a absorver as dissidências, integrando-as e invertendo seus objetivos originais. Movimentos de contracultura costumam ser sistematizados, a médio ou longo prazo, num processo mágico de manipulação.
Merece destaque especial a guerrilha cibernética dos vírus de computador. A criação e difusão pela rede destes vírus materializa um tipo de divergência tecnológica de verdadeiro boicote. Por vias travessas, coloca em questão o controle do sistema sobre a rede cibernética de comunicação, gerando a ilusão de liberdade e de certa anarquia dentro do sistema.
Despindo-se da ingenuidade, qualquer analista descobrirá como tal dissidência acaba servindo o sistema. Desenvolve-se uma verdadeira indústria de software antivirus. O sistema cresce num setor florescente, tão promissor quanto a criatividade dos guerrilheiros cibernéticos. Involuntariamente (?!), estes dissidentes fomentam o fortalecimento do sistema. O consumidor sempre paga o pato.
Mais uma vez o sistema tira proveito da contestação. O sonho democrático da rede mais uma vez se desfaz no aumento dos custos e na reprodução econômica das desigualdades. Desta forma, a natureza globalitária da rede concretiza mais uma denúncia latente do delírio libertário embalado pela ingenuidade sociológica.

Delfim Soares in compuland.com.br