Repensar a educação, repensar os professores - Crónica de Joaquim Azevedo

Há uma área científico-técnica, a medicina, que cuida como nenhuma outra da formação dos futuros profissionais do mesmo ramo: os médicos. A formação inicial é de seis anos (nem com o chamado processo de Bolonha se intimidaram!), seguida de outros seis de formação especializada, acompanhada por profissionais mais experientes. Os alunos que acedem a estes cursos têm médias superiores a 17,7. É obra! Tratam­-nos da saúde e lidam com a nossa vida, compreende-se.
Quanto à formação dos profissionais que cuidam da educação pré-escolar e escolar de todos os cidadãos portugueses, os educadores e os professo­res, a sua formação passou de um nível que nem sequer era superior (no pós-25 de Abril), para uma formação superior e, recentemente para o nível de segundo ciclo, ou seja, para cinco anos de formação inicial. Tratam da nossa educação, compreende-se!
Não, não se compreende.
Enquanto os alunos que acedem aos cursos de medicina têm as maiores classificações que existem no sistema português de acesso ao ensino supe­rior, os jovens que acedem aos cursos de formação de professores são os que apresentam as piores médias de acesso ao ensino superior.
Não, não se compreende.
Enquanto os médicos, após a sua formação inicial, contam com mais seis anos de acompanhamento por parte de profissionais experientes, os pro­fessores são lançados em cima de salas de aula com 28 alunos, oriundos de múltiplos universos culturais, como se estas fossem os lugares mais tranquilos e simples do mundo, como fadas que são deitadas em cima de nuvens brancas de algodão!
Não, isto não se compreende nem se deve aceitar. Não há nada de inelutá­vel neste quadro confrangedor. Tratamos da formação inicial e do acesso à profissão docente, governos e sindicatos, profissionais e cidadãos em ge­ral, como se estivéssemos perante a formação de uns quaisquer profissio­nais de carregamento manual de máquinas mais ou menos automáticas. Engano dos enganos! A educação da infância e a educação escolar consti­tuem um dos mais preciosos tesouros de cada sociedade, porque se trata da revelação da vida e da manifestação da identidade única de cada ser, em confronto com a verdade, o bem, a beleza, no tempo e no espaço, para uma cidadania activa. Trata-se de formar os profissionais que vão transmi­tir às novas gerações o “thesaurus cultural” que reúne o que de melhor a humanidade conseguiu alcançar até hoje.
Há manifestações da nossa estupidez colectiva que, pela sua repetição ao longo de décadas, nos vão cair dramaticamente em cima da cabeça. Esta­mos a ver que não se deve fazer assim, mas é assim que fazemos. Um cui­dadoso e exigente acesso à formação incial, uma sólida formação inicial e uma muito acompanhada indução profissional constituem requisitos base para que a sociedade encare os profissionais docentes com outro valor e para que os professores sejam realmente (e não utopicamente) considera­dos e tratados como um dos mais estruturantes esteios de uma sociedade decente, digna e justa, alegre e um verdadeiro hino à vida.
Não se compreende tamanha inacção colectiva.
Joaquim Azevedo