"No pensar é que está o ganho" - por Ana Bacalhau


«Pensar», respondi eu. Franziram o nariz. Perguntavam-me se veria algum caminho para a resolução das crises que nos assolam. As crises que por aí andam a torturar-nos a felicidade são de índoles várias. Temos a crise de valores, a crise económica, a crise política, a crise de fé, a crise de afectos. Todas elas estão relacionadas entre si e conspiram para nos atazanar o juízo. Daí, talvez que a urgência da pergunta esperasse da resposta uma solução concreta, prática, rápida.
A minha resposta era o oposto. Não por embirração, mas por convicção. Estará subvalorizada a importância do pensamento crítico, estruturado e criativo na resolução dos problemas que nos afligem. Talvez se deva ao ritmo frenético a que vivemos e que obriga à tomada de decisões imediata, que resulta, frequentemente, numa tomada de decisões irreflectida. Haverá, pois, quem valorize mais a acção, mas tenho para mim que acção sem pensamento que a sustente é tão estéril quanto o pensamento que não gera acção. O melhor será que o pensamento esteja ligado a um sentido de Presente e Futuro, mais do que a um sentido de Passado. Pensar o que já se fez importa para que possamos tomar decisões informadas, porém permanecer apenas no que resultou antes não levará a que se possa criar um pensamento voltado para trabalhar com sucesso o que ainda está por vir.
Sem a relação de causalidade entre o pensamento e a acção, será pois difícil ultrapassar a superficialidade na resolução dos problemas, que continuarão a acumular-se e a agudizar-se. O pensamento impõe-se como uma necessidade para que avancemos na acção. Pensar não é tarefa fácil. Uma das maiores dificuldades decorrentes do exercício intelectual é o facto de só mostrar resultados positivos quando é feito de forma livre. Ora, num contexto em que a mente sempre esteve habituada a bengalas para abreviar caminho, o complicado será explicar-lhe que no novo caminho que deverá fazer terá primeiro de se libertar de quaisquer abreviaturas de pensamento.
O importante é deixarmos as certezas que tínhamos de lado e darmo-nos à interrogação. Não o poderemos fazer sozinhos, claro. Devemos acompanhar-nos de bons mestres. Os mais importantes são os livros. Mas todas as formas artísticas ajudam a desarranjar a mente para que a possamos voltar a arranjar depois. Será por isso que os inimigos do livre pensamento tanto tentam apequenar as artes e a cultura.
Desconfie-se pois de todos os que nos querem convencer de que a cultura e as artes não são essenciais à nossa vida, porque o que nos estão realmente a dizer é que não é essencial aprendermos a pensar de forma crítica, informada e criativa. Como sabemos, estes predicados são essenciais à liberdade do pensamento e, consequentemente, à liberdade do indivíduo. O que nos faz voltar à questão inicial. Nos dias de hoje, em que o indivíduo tende a ser subjugado pelo poder económico, a solução ou soluções para nos conseguirmos libertar de tão apertadas amarras só poderão surgir de ideias novas.
Já percebemos que os políticos e a elite actual não estão preparados para produzir as ideias e o pensamento novo de que precisamos para avançar. Por isso, é necessário, agora mais do que nunca, que avancemos todos, em conjunto, com as nossas ideias para a discussão de um novo sistema de valores éticos, económicos, políticos, morais. Já é tempo de deixarmos de permitir que construam (ou destruam) o mundo por nós. Sem desculpas, deitemo-nos a pensar e levemos as mãos à obra.
Ana Bacalhau in dn.pt