
Nas sociedades fechadas — por força da Inquisição, do fascismo, do comunismo, do fundamentalismo ou da tradição — pode-se fazer filosofia durante alguns períodos, mas geralmente às escondidas e contra as próprias academias, que deviam ser os primeiros bastiões da liberdade de pensamento. Só nas sociedades liberais e democráticas, que respeitam a liberdade de opinião e expressão, a filosofia pode florescer. Mas não basta este respeito formal pela liberdade de opinião e expressão; é preciso um activo comprometimento institucional, cultural e pessoal com a discussão racional e os princípios a ela associados. A pior proibição do pensamento não é a explícita, mas a que se insinua e oculta, pois é mais difícil combater e reconhecer a sua existência. A proibição velada existe sempre que as academias não ensinam a discutir ideias, sempre que substituem a discussão de ideias pelo formalismo académico e sempre que se ensinam os estudantes a repetir diligentemente o que dizem os pensadores da moda.
Há duas estratégias principais para tornar a liberdade de discussão inócua.
A primeira consiste em reduzir a filosofia à sua história e a ciência aos seus resultados. Em ambos os casos, transmite-se ao estudante — e portanto à sociedade — a ideia de que nada há para pensar. A competência profissional e académica é uma questão de saber repetir muito bem o conhecimento empacotado que foi feito alhures. O que não se ensina é a fazer esse conhecimento. Ensinar a repetir acriticamente as ideias de Mill sobre a liberdade ou as ideias de Sagan sobre o espírito científico é uma das estratégias mais subtis para impedir isso mesmo que Mill e Sagan defendem: a liberdade fundamental para discutir ideias. Quando a filosofia se reduz à história da filosofia, o estudante fica impossibilitado de desafiar as Autoridades: torna-se uma blasfémia impensável perguntar se Kripke ou Heidegger terão ou não razão. Onde há liberdade para pensar não se pode aceitar a noção de blasfémia: tudo se pode discutir e todas as autoridades podem ser colocadas em causa.
A segunda estratégia para tornar a liberdade de discussão inócua é o relativismo cognitivo. Sob a capa de uma novidade triunfante, o pós-modernismo filosófico e cognitivo (não confundir com correntes artísticas com o mesmo nome) é incompatível com o ideal grego. Pois se é ingénuo pensar que existem verdades independentes de nós, se é óbvio que tudo é relativo, então não vale a pena discutir ideias. Discutem-se ideias quando se pensa que as nossas ideias são boas ou más, verdadeiras ou não, independentemente da nossa opinião sobre elas — e por isso queremos submetê-las à discussão pública e especializada, para procurarmos eliminar tanto quanto possível o erro e a ilusão. Galileu foi brutalmente silenciado pela Igreja Católica, e condenado a prisão domiciliária para o resto da vida. Mas pior, porque menos óbvio, seria a igreja ter declarado que há várias «bolhas de verdade», e que Galileu tem a sua, que todavia não é a verdade da igreja. Isto aniquila a possibilidade de progresso porque isenta as ideias da necessária avaliação crítica. Não há «bolhas de verdade»: se Galileu tem razão, a Terra move-se. A Terra não fica imóvel quando quem pensa nisso é o Papa, passando a mover-se quando é Galileu que pensa nisso.
Dada a relação complexa que a democracia e a liberdade mantêm com a filosofia e o conhecimento em geral, estas estratégias não aniquilam apenas a filosofia e o conhecimento; ao fazê-lo, aniquilam também a própria possibilidade de uma democracia e liberdade genuínas e profundas. Ensinados a evitar a discussão real de ideias e a repetir ideias feitas, os profissionais — dos políticos aos médicos, dos juízes aos engenheiros, dos empresários aos cientistas e filósofos — não conseguem resolver os problemas da sua sociedade. A menos que tal solução venha em algum manual estrangeiro do qual se possa fazer um relatório muito certinho, a sociedade sente-se perdida e sempre à espera que um Encoberto venha resolver os seus problemas: a democracia está sempre sob ameaça, é sempre vista com desconfiança, nunca é parte integrante do tecido cultural. Sempre que há problemas, a solução que vem ao espírito assustado de todos é mais centralismo e menos liberdade — impedindo assim os profissionais de cada sector de resolver os problemas da sua própria especialidade.