Valores e Liberdade

O Indeterminismo absoluto não permite a existência da liberdade concreta. A liberdade humana é uma liberdade concreta, portanto, limitada e condicionada, é uma liberdade contextualizada. As determinações, condicionantes e os limites impostos à liberdade não anulam necessariamente liberdade. Pelo contrário, podem tornar-se as premissas para a sua existência. Quando falamos de liberdade, não devemos falar em termos gerais e abstractos, temos de explicitar a que liberdade nos referimos: liberdade para quem, liberdade em relação a quê ou em relação a quem, liberdade para fazer o quê?
Há factores biológicos,sociais e culturais que condicionam a nossa acção. Será possível, apesar disso, provar que certas decisões são radicalmente livres ou, sequer, que há uma parte absolutamente livre em algumas delas? Ou seremos apenas robôs manipulados pelas leis da Natureza e da sociologia?
Segundo os filósofos que defendem o determinismo qualquer acontecimento é o resultado de causas que o antecederam; aplicada aos actos humanos, esta teoria defende que nenhum dos nossos actos depende realmente de nós, mas sim da conjunção das leis da Natureza, da sociedade e da mente humana. Ao contrário, segundo os defensores da existência da liberdade, há, no mínimo, algumas acções livres: cada qual possui o poder de se determinar por si próprio.
Os defensores da liberdade fundamentam-na frequentemente na possibilidade de esta ser atestada pela nossa experiência; em múltiplas situações do quotidiano sentimos que poderíamos ter feito algo diferente daquilo que realmente fizemos: na fila de uma cantina, escolhemos o bolo de sobremesa em vez de fruta e percebemos que não houve factores que tornaram inevitável a escolha feita – como está determinado à partida que o sol se levantará amanhã. A nossa capacidade racional permite-nos prever os resultados das nossas diferentes opções e, portanto, escolher em liberdade.
Objecção dos defensores do determinismo absoluto: do facto de optarmos não podemos concluir que exista liberdade; as opções podem estar totalmente determinadas. Segundo o princípio da causalidade universal, tudo o que sucede tem que ter uma causa; chamamos livres aos actos cujas causas desconhecemos —como chamamos casuaisaos acontecimentos cujas causas ignoramos. Assim, a liberdade é uma ilusão: todos os nossos actos são o resultado necessário de factores anteriores, incluindo actos tão simples como a escolha de um sabor de uma pastilha elástica. “Uma escolha, uma decisão, é um acontecimento psicológico (neurológico) na mente de alguém: consiste na troca de mensagens entre células do cérebro sob a forma de impulsos electroquímicos, ou seja, factos biológicos, que obedecem a leis biológicas e físico-químicas. Para além destas muitas e complexas causas físicas, temos um outro conjunto de causas, as especificamente psicológicas: talvez tenha escolhido o sabor laranja em parte porque fui estimulado a habituar-me a ele na infância ou porque ele esteve associado a situações agradáveis, como festas, ou porque nos últimos tempos bebi muitas vezes limonada e agora o sabor a laranja me pareça mais convidativo, etc. Mas tudo isto (e todas as hipóteses que a psicologia pode levantar e estudar para além destas poucas) se poderá dar a um nível que é, em grande parte, inconsciente, pelo que não damos por elas e pensamos, erroneamente, estar a ser livres na nossa escolha” (CASELAS, António; LOPES, António; MARQUES, Francisco– Filosofia 10º ano. Carnaxide: Constância). O determinismo absoluto leva a uma perspectiva teleológica das determinações, uma vez que, se está tudo absolutamente determinado então está tudo predeterminado.
Contra-argumentação (possível) em defesa da liberdade: é inegável que é impossível agir sem determinações, condicionantes e limites. Apesar destes factores e para lá deles, a liberdade é possível enquanto capacidade de, pela criatividade, usar essas determinações e condicionantes a nosso favor e superar esses limites. Somos, em alguns aspectos, inferiores a certos animais; o ser humano é mesmo, à partida, o mais desamparado dos animais: não tem as garras do leão nem a visão das aves de rapina, mas, para ultrapassar essa situação, criamos instrumentos – objectos de corte para suprir a falta de garras, binóculos para ver melhor, aviões para superar a força da gravidade, etc. A nossa inferioridade é a base para a construção da nossa superioridade.
ocanto.esenviseu.net/novo10/accao2.htm(texto adaptado por prof. L.R.G.)