Economia solidária, plural e ética - por Maria C.P. Ramos

Economia solidária, plural e ética, na promoção do emprego, da cidadania e da coesão social 
1. Políticas sociais e promoção da economia social e solidária
O modelo actual de desenvolvimento económico, assente na competitividade, coloca novos desafios à construção de uma sociedade inclusiva e à reestruturação dos próprios modelos de protecção e de direitos sociais. A partir da segunda metade da década de setenta, do século XX, assistimos na Europa, ao aumento da instabilidade do emprego e à extensão do desemprego de longa duração. O crescente número de situações de não cobertura social evidencia a necessidade de alargar a acção do Estado aos indivíduos que se encontram fora do mercado de trabalho ou que são vítimas do trabalho precário. O agravamento das desigualdades sociais, associado à emergência de novas formas de pobreza, não encontrando solução nos quadros de intervenção anteriormente constituídos, é uma ameaça para a coesão social e põe à prova o Estado social e os seus meios de acção. As políticas sociais visam responder a fenómenos de pobreza e de exclusão social, o que nos remete para a protecção social. Esta tenta promover, por um lado, mecanismos que visem essencialmente a previdência e, por outro, acções de carácter social ou assistencial, que respondem a situações de carência e necessidade. A segurança social enfrenta uma crise, persistente, e é decrescente o número de contribuintes, face ao aumento de beneficiários. Não obstante o facto dos regimes de segurança social se apresentarem hoje de forma mais completa, há situações humanas e sociais concretas que não se enquadram nos mecanismos da sua organização e funcionamento. É neste contexto que a acção social visa colmatar lacunas dos regimes e potenciar a sua eficácia e humanização. Os serviços de acção social prestados por instituições públicas e privadas, previnem ou auxiliam situações de exclusão, disfunção ou doença, apoio à família e resposta a novos problemas sociais.
A coberto das razões associadas ao financiamento e à sustentabilidade da segurança social, tem-se assistido, na Europa, a uma forte pressão para a desregulamentação dos sistemas sociais e diminuição da intervenção do Estado na protecção social com o objectivo de redução da despesa pública, no quadro do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), diminuindo as prestações do regime contributivo e privatizando algumas das suas componentes. A precarização de alguns grupos da população, devido à instabilidade do emprego e à redução dos níveis de protecção dos sistemas sociais, provoca a necessidade da acção social. As políticas de protecção social, apesar de todas as pressões contraditórias, são um instrumento importante de salvaguarda dos direitos de cidadania e de coesão social.
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9. Considerações finais
Há dificuldades em estabelecer critérios definidores de economia social e solidária e insuficiente informação estatística sobre o chamado terceiro sector. Este não é mais um fenómeno residual, mas continua mal contabilizado, insuficientemente teorizado, com ausência de metodologias e indicadores específicos para avaliar a sua verdadeira dimensão. Apesar da sua importância, a economia solidária/social não é uma realidade estabilizada e os seus contornos, assim como o seu futuro, estão em aberto, questionando-se o impacto da actual conjuntura internacional recessiva no sector.
A globalização e a natureza sistémica da crise condicionam as prioridades de acção do Estado-nação em domínios tradicionais da política social, como o emprego e a protecção social, colocando-se o desafio de manter e, se possível, aumentar os níveis de protecção, dadas as restrições de financiamento. No contexto sociopolítico de crise do Estado-Providência, os Estados, incapazes de manter as políticas sociais em vigor, apelam à intervenção da sociedade civil e dos actores privados não lucrativos, num projecto de reinvenção do próprio Estado-Providência. A economia social e solidária procura inovar na implementação de politicas activas de emprego e na criação de novas parcerias entre o Estado e a sociedade civil.
A economia social coloca o princípio da solidariedade, da gratuidade e da dádiva no centro da actividade económica, contrariamente ao individualismo económico, e a democratização da economia a partir do envolvimento dos cidadãos. Não é possível negligenciar o papel da economia solidária na regulação da sociedade, sendo apresentada como uma solução para os défices de cidadania, por parte das instâncias oficiais, nomeadamente do Estado-Providência. As organizações da economia social e solidária procuram outras formas de organização do trabalho, que não sejam as impostas pela exclusiva racionalidade capitalista, conjugando utilidade e solidariedade. Para além de absorverem o desemprego, outro contributo importante é o de revalorizarem o trabalho socialmente útil, como é o caso do voluntariado, e também o de fomentar a entreajuda social, a mutualização e o mecenato.
Apoiar as instituições da economia solidária significa valorizar um importante instrumento de inclusão e acção social, um potencial de empregabilidade, de coesão, de cidadania, de desenvolvimento local e comunitário, com fortes possibilidades de crescimento, especialmente nos serviços de proximidade ou “serviços de solidariedade” e à comunidade. Há, assim, desafios à reestruturação do Estado-Providência e à sua articulação territorial, indissociáveis de novas formas de organização das competências estatais e da sociedade civil, na mobilização colectiva para criação de emprego, combate à pobreza e exclusão social. As Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), por exemplo, respondem a diferentes carências sociais, com particular relevo nas áreas da infância e juventude, invalidez, reabilitação e terceira idade. O crescimento de uma sociedade-providência não se encerra nas IPSS, passando também pelo desenvolvimento de redes informais de apoio social e de parcerias locais.
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Um projecto integral de economia solidária articula-se com outros movimentos de promoção de actividades económicas solidárias, tais como finanças solidárias, empreendedorismo social, empresa social e comércio justo. A microfinança e o microcrédito, cresceram rápidamente nos últimos anos, confirmando a sua capacidade de responder a necessidades não satisfeitas, e constituindo um instrumento de politica social activa de luta contra o desemprego, a pobreza e a exclusão. Este mecanismo de integração sócio-profissional de populações desfavorecidas, em conjunto com outras políticas activas de emprego, tem um potencial inovador para desenvolver o empreendedorismo e o microempresariado. Aparece como pertinente promover os sistemas de microfinanca e de microcrédito, e apoiar iniciativas empresariais na economia solidária, assim como a profissionalização dos agentes de mudança que são os empreendedores sociais e microempresários. Os modelos de intervenção do microcrédito podem ser implementados ao nível das micro e pequenas organizações do terceiro sector.
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A economia solidária procura sedimentar uma abordagem alternativa e plural da economia, admitindo uma pluralidade de paradigmas e de princípios de comportamento económico, e repensar uma nova articulação entre Estado, sociedade civil e mercado, catalizando recursos para uma utilidade social que não ignore exigências de rentabilidade económica e competitividade, mas valorize a promoção do emprego e do desenvolvimento sustentável. Uma economia, como ciência moral, ética e política não pode ignorar a busca de um modelo económico comprometido com a justiça social e uma acção pública renovada. O conceito de economia solidária reveste-se de uma construção ideal nem sempre encontrando nos seus alicerces capacidade de mudança estrutural do modo de produção capitalista. Impõe-se uma análise critica interdisciplinar da economia solidária, e havendo necessidade de fundamentar solidamente as teorias, metodologias, conceitos e indicadores que permitirão apreender a complexidade da realidade e indicar as transformações sociais, económicas e politicas de que esta economia é portadora, ousando suplantar pressupostos arreigados do paradigma tradicional do trabalho e da economia.
 Maria da Conceição Pereira Ramos
Texto integral em http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=48u56oTV658223574563;565552