
Que os problemas sociais não se separem de todo da acção política não constituiu problema para muitos dos comentadores de Arendt. Por isso a sua velha amiga Mary McCarthy lhe perguntou certa vez: «Realmente, o que é suposto cada um fazer na cena pública, no espaço público, se não se ocupa do social? Quero dizer: o que sobra então? (…) Não sobram senão as guerras e os discursos. Mas os discursos não podem ser simplesmente discursos ocos. Têm de ser discursos sobre alguma coisa.» Para Arendt, a primeira virtude da acção política é então a deliberação, verdadeira expressão da pluralidade de opiniões. De acordo com o seu ponto de vista, as questões sociais contêm a diversidade das perspectivas, uma vez que se desenvolvem numa esfera abaixo de toda a discussão. Porque é indiscutível que todos os seres humanos possuem um lugar social definido, a questão social não apela, de facto, a nenhuma deliberação política, tal como não implica uma solução meramente técnica.
Ao mesmo tempo, mais ainda que o social, é o trabalho que para a filósofa política alemã caracteriza a esfera da acção política. Negando a sua função de humanizar a humanidade, ela opõe-se firmemente às teorias marxistas. Estas conferem ao trabalho uma função que atribui apenas à obra: a edificação do mundo humano. O trabalho, para ela, não produz senão bens perecíveis e consumíveis. Produzidos em abundância, estes não se tornam menos efémeros: a cadência do consumo é então acelerada destruindo os objectos à medida que estes são produzidos. Nestas condições, a permanência e a estabilidade dos objectos e do mundo encontram-se ameaçadas. Para Arendt, «o perigo é que uma tal sociedade, ofuscada pela abundância da fecundidade, presa do funcionamento aparente de um processo sem fim, seja incapaz de reconhecer a sua própria futilidade».
Adaptado por Céline Bagault in aterceiranoite.org