Apagar a memória - Texto para reflexão (Bioética)

Inovação. Um grupo internacional de investigadores apagou, de forma selectiva, memórias do cerébro de ratos, através da manipulação de uma molécula. Nos humanos, a técnica é mais complexa, mas espera-se que, no futuro, alguns medos e recordações traumáticas possam ser apagados
Apagar memórias de forma selectiva é agora possível. O sofrimento causado pela recordação da perda de alguém, um medo que não se consegue controlar, as lembranças de um conflito podem ser suprimidas, segundo um estudo realizado por uma equipa internacional.
Investigadores do Brain e Behavior Discovery Institute, nos Estados Unidos, e do Institute os Brain Functional Genomics de Shangai, na China, descobriram uma molécula que, quando devidamente implementada, apaga recordações de forma selectiva, deixando as restantes recordações intactas.
O estudo, apesar de inovador, apresenta ainda algumas limitações porque, tal como reconhecem os próprios autores, foi realizado em ratos e a técnica utilizada seria muito mais complexa se aplicada clinicamente. No entanto, apresenta-se como uma ferramenta útil para criar futuros medicamentos neste sentido.
Alfa-CaMKII é conhecida como a molécula da memória e controla, de uma forma ainda pouco conhecida, a criação e armazenamento de lembranças. O processo em laboratório consistiu numa alteração genética, aumentando a actividade da molécula Alfa-CaMKII. Depois desta alteração, os ratos foram sujeitos a várias provas de memória, como o reconhecimento de objectos ou condicionamento do medo, e descobriram que apresentavam uma maior dificuldade para recordar que os ratos normais.
A memória compreende quatro diferentes estágios: a memorização, o fortalecimento, o armazenamento e a recordação de informações e eventos anteriormente memorizados.
Os testes realizados pretendiam saber em que fase do processo de memorização actuava a enzima. Após provas realizados, verificou-se que os ratos eram capazes de apreender e manter a memória. No entanto, durante a fase de recordação, a actividade excessiva de CaMKII impedia a recuperação de lembranças recentemente adquiridas. Essa dificuldade de recordação surgia porque as memórias desapareciam. Os ratos eram incapazes de recordar aquilo que lhes dava medo.
Apesar de tudo, é prematuro falar de uma "pílula do esquecimento", visto que o procedimento não foi ainda aplicado a seres humanos.
A ciência desde há muito que deu a conhecer a memória, não como um compartimento fechado e isolado, mas cujo armazenamento pode ser alterado ou mesmo vir a desaparecer. Existe um pequeno período conhecido como "período janela", que ocorre depois de se evocar uma memória, na qual esta pode ser eliminada.
VÍTOR MARTINS e MARTA CERQUEIRA in dn.pt