A democracia é possível? Utopia ou necessidade?

Ignacio Ramonet, director do Le Monde diplomatique, afirmou que defender a utopia, como o fez Don Quixote, não é de louco, pois Quixote «não suportava as injustiças e as desigualdades e ofereceu sua força e empenho contra isso, na luta por um mundo ideal, por um mundo diferente”.
Em contrapartida, José Saramago recusou liminarmente o conceito de utopia: “O que transformou o mundo não foi a utopia, mas a necessidade. Se a realização das nossas utopias ocorressem em breve não se chamariam utopia, mas trabalho e dedicação! Sugiro a retirada desta palavra do dicionário”, disse sorridente. Criticou depois os organismos internacionais e os governos: “O discurso político manipula, existe apenas para esconder algo. Essa é a arte de camuflar a verdade. Quem é que escolhe os líderes das organizações internacionais? Onde está a democracia?” (…) “As nossas democracia estão amputadas, foram sequestradas, pois hoje os nossos poderes como cidadãos consistem em trocar um governo de que não gostamos por outro que não conhecemos”.
Eduardo Galeano, defendeu a utopia, que serve para caminhar, pois andemos o que andarmos “ela sempre estará a dez ou vinte passos de nós, na linha do horizonte”. E contou a história de um pintor que conheceu numa viagem à Bolívia onde, apenas diante de paisagens cinzas e vegetação morta, pintava obras de cores vibrantes, vivas e exuberantes. “A utopia antepõe os ideais à frente de tudo, pois também é real quando se pinta a realidade que se necessita porque em toda barriga há a possibilidade de um novo mundo”..
A conclusão a retirar de discursos, que só aparentemente são antagónicos, é a de que democracia é possível. Procurá-la com tenacidade, como aconselha Saramago, nunca deixando de acreditar que um dia nós, enquanto entidade colectiva, a encontraremos – se chamamos a essa convicção “utopia” ou se a designamos como o objectivo central do nosso “trabalho e dedicação”, já será pormenor de estilo.
Carlos Loures in aviagemdosargonautas.net