A Dignidade Humana - Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida

O conceito de dignidade humana tem fundamentos na filosofia do mundo ocidental. 
Embora a história nos informe que nem sempre a dignidade humana foi respeitada, ou mesmo objecto de normas éticas e/ou legais de protecção, o certo é que a filosofia ocidental já se tinha preocupado com esta questão. Infelizmente, foinecessário um conflito mundial para uma tomada de consciência que levou àproclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. E, tal como se demonstra pela Convenção dos Direitos Humanos e da Biomedicina, assinada em 1997, foi necessário quase meio século para que os países signatários da mesma chegassem à fase da aplicação da mesma à medicina.
A História, desde a Antiguidade Oriental até à Idade Contemporânea, demonstra que nem sempre houve reconhecimento do primado do ser humano. Desde a escravatura, reinante nas civilizações orientais, clássicas e europeias, até àsperseguições da Inquisição, a discriminação social foi notória e pacificamenteaceite pelos filósofos coevos. Já Aristóteles (384-322 a. C.) e S. Agostinho (354-430) se tinham debruçado sobre a distinção entre coisas, animais e seres humanos. 
Deve-se a Immanuel Kant (1724-1804), através das suas críticas e análises sobre as possibilidades do conhecimento, nomeadamente a partir das questões: o que posso conhecer ?, o que posso fazer ? e o que posso esperar ? na Crítica da Razão Pura, na Crítica da Razão Prática e na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, uma das contribuições mais decisivas para o conceito de dignidade humana. "No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se, em vez dela, qualquer outra coisa como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade" (Kant, 1991: 77) Como o próprio Kant reconheceu, as respostas às questões colocadas dependiam do nosso conhecimento da natureza do próprio ser humano. O que posso conhecer, fazer ou esperar, depende, em última análise, da minha própria condição humana. Age de tal modo que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na do outro, sempre e ao mesmo tempo, como um fim e nunca simplesmente como um meio. (Kant) "Para [Kant], o ser humano é um valor absoluto, fim em si mesmo, porque dotado de razão. A sua autonomia, porque ser racional, é a raiz da dignidade, pois é ela que faz do homem um fim em si mesmo" (Roque Cabral, 1998: 33).
Devemos ainda pensar em dois conceitos: em Kant é principalmente o conceito de respeito que é sublinhado e em Hegel o conceito de reconhecimento, mais básico do que o de respeito. Para ser humano é preciso ser reconhecido enquanto tal e não somente reconhecido como organismo biológico. Por exemplo, se a criança não é reconhecida como aquilo para que tem capacidade (autonomia, liberdade) mas que ainda não realiza, não é considerada como um ser digno. É na relação com o outro que se é reconhecido como ser humano. A dignidade é, neste sentido, o efeito deste reconhecimento e a sua fundamentação e neste reconhecimento recíproco o ser humano torna-se capaz de liberdade. Aprendemos com Hegel que todo o processo da cultura é um processo no qual procuramos aceder a níveis cada vez mais profundos de reconhecimento da igualdade. Neste sentido enquanto o outro não for totalmente livre, eu não sou livre. Em resumo, a dignidade do ser humano repousa sobre o seu ser real, enquanto esta realidade é capacidade daquilo que ele pode ser, e não apenas sobre o que ele faz efectivamente desta capacidade. 
Depois da capacidade de autonomia, de autenticidade e de liberdade mediante o reconhecimento do outro, há um outro momento da fundamentação da dignidade: o ser humano é capaz de se elevar acima das circunstâncias imediatas do seu ambiente para colocar questões sobre o sentido do real. Nesta perspectiva o ser humano é atravessado pela "visée" da verdade. Temos porém de reconhecer que nós, como indivíduos, em referência às questões acima enunciadas (o que posso conhecer, o que posso fazer, o que posso esperar), somos condicionados não só pela nossa condição biológica, como também pelo contexto sócio-cultural em que nos inserimos. 
Nas raízes filosóficas do conceito de dignidade humana, embora correndo o risco de omitir outros nomes, cremos ser de referir John Stuart Mill (1806-1873). Não resistimos a transcrever uma passagem do seu livro Sobre a Liberdade: "não é procurando reduzir à uniformidade o que é individualidade, mas cultivando esta, dentro dos limites impostos pelos direitos e interesses de terceiros, que os seres humanos se tornam dignos da sua condição. Nos trabalhos que produzem, contribuem para o enriquecimento da própria sociedade de que fazem parte. Assim tornarão esta mais útil e profícua, e eles próprios mais orgulhosos de dela fazerem parte. Nesta medida, em proporção com a respectiva contribuição, cada pessoa sentir-se-á mais válida para consigo mesma e, nessa medida, mais útil para os outros."
Em resumo, o termo Dignidade Humana é o reconhecimento de um valor. É um princípio moral baseado na finalidade do ser humano e não na sua utilização como um meio. Isso quer dizer que a Dignidade Humana estaria baseada na própria natureza da espécie humana a qual inclui, normalmente, manifestações de racionalidade, de liberdade e de finalidade em si, que fazem do ser humano um ente em permanente desenvolvimento na procura da realização de si próprio. Esse projecto de auto-realização exige, da parte de outros, reconhecimento, respeito, liberdade de acção e não instrumentalização da pessoa. Essa auto-realização pessoal, que seria o objecto e a razão da dignidade, só é possível através da solidariedade ontológica com todos os membros da nossa espécie. Tudo o que somos é devido a outros que se debruçaram sobre nós e nos transmitiram uma língua, uma cultura, uma série de tradições e princípios. Uma vez que fomos constituídos por esta solidariedade ontológica da raça humana e estamos inevitavelmente mergulhados nela, realizamo-nos a nós próprios através da relação e ajuda ao outro. Não respeitaríamos a dignidade dos outros se não a respeitássemos no outro.
Na ética moderna, a dignidade humana exprime-se em um 'nós-humanidade' que não é a soma dos 'eus' individuais. Segundo Levinas, "'nós' não é o plural de 'eu'". O ponto de partida para a expressão dessa dignidade situa-se na totalidade dos seres humanos e por isso foi possível afirmar-se que enquanto um ser humano não for livre, nenhum ser humano será livre.
A socialização não é porém uma diluição do 'eu' no conjunto da comunidade humana. Como vemos todos os dias, todo o ser humano aspira a repetir o seu "paraíso perdido", que foi a fusão total com a mãe. Daí a procura, por vezes desenfreada, de uma relação dual. Ora, o indivíduo acede à sua condição de ser único quando torna possível essa passagem da fusão com a mãe à autonomia. É a aprendizagem do 'eu/tu' que Martin Buber tão eloquentemente descreveu e onde alicerçou as condições indispensáveis para a alteridade efectiva. Quanto maior e mais alargado for o número de pessoas com quem estabelecemos a relação 'tu/eu', maior é a nossa participação na noosfera e mais forte é a nossa dignidade humana. 
Foi esta noção de uma camada de humanos que envolve toda a Terra que Teilhard de Chardin chamou a noosfera. Ela é interdependente da biosfera e da atmosfera. A evidência desta afirmação encontra-se no nosso quotidiano (vivemos das espécies biológicas e respiramos porque imersos na atmosfera). Mas também a encontramos em certas manifestações religiosas que têm marcado profundamente algumas civilizações. Assim, por exemplo, no Budismo não há separação entre o humano e toda a realidade natural que o rodeia. No nosso tempo, esta interdependência é sentida através da acção nefasta do humano sobre a biosfera e sobre a atmosfera. 
Daí poder inferir-se que a contribuição para a integridade e diversidade das espécies biológicas e para o equilíbrio da atmosfera é, afinal, também contribuir para a defesa da dignidade humana.

Prof. Doutora Teresa Joaquim in cnecv pg. 8-11