A Europa e a quebra do Contrato Social - uma questão de Valores

"Quando a crise deflagrou, existia alguma boa vontade, por parte de alguns estados-membros, para aumentar os serviços de protecção social de forma a prevenir os efeitos negativos da mesma. Boa vontade esta que foi progressivamente enfraquecida quando a prioridade passou a ser a redução dos défices públicos. Inicialmente, em 2008, a resposta da União Europeia incluía um compromisso no sentido de uma abordagem anti-cíclica, com o “aliviar dos custos humanos” através da manutenção dos empregos e do apoio aos mais vulneráveis via serviços de protecção social fortalecidos. Mas e à medida que a instabilidade financeira aumentou, em conjunto com as dívidas públicas e os défices, a prioridade foi a de salvar o euro a todo o custo e reforçar um plano de recuperação neoliberal com enfoque numa interpretação muito mais estreita da competitividade e da consolidação fiscal.
Esta viragem acabou por reforçar o Pacto de Crescimento e Estabilidade que exigia aos membros da zona euro a redução célere dos seus défices abaixo dos 3% - mas com particular enfoque nos cortes da despesa pública e não no aumento de impostos. A competitividade na Europa deveria ser accionada por uma descida nos salários, pela flexibilização no mercado de trabalho e pelo aumento da idade de reforma. Para os países a necessitarem de resgates financeiros, este padrão de medidas – que é devastador para os direitos sociais – serviu de modelo para os restantes estados-membros. E está a tomar proporções cada vez mais gigantescas, sob o olhar de milhões de europeus, apesar do lançamento, em 2010, de uma nova política global, a Estratégia para a Europa 2020, que pretende (ou pretendia) promover “um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo” e que estabeleceu, pela primeira vez, o objectivo de reduzir a pobreza e a exclusão social em pelo menos 20% até 2020.
Como parece ser visível, não existem evidências de uma abordagem integrada no que respeita à política declarada da UE para uma “inclusão activa” das pessoas excluídas do emprego. Na prática, esta está a ser interpretada como um condicionalismo endurecido para a concessão de benefícios, enquanto os serviços de apoio e os empregos necessários para tornarem a activação do plano uma realidade serem inexistentes. E, em toda a Europa, os cortes nos rendimentos, na saúde e em outros serviços de apoio significam uma atitude inaceitável para os mais pobres e vulneráveis. O que nos obriga a questionar o contrato social implícito e o modelo social europeu que assegurou a estabilidade e um certo nível de protecção a estes grupos mais vulneráveis desde os primeiros passos do movimento para a integração da Europa. Adicionalmente, abala fortemente a fé dos cidadãos relativamente à sua visão de uma União Europeia que deveria possuir um projecto democrático e social e não somente uma união económica como a sua principal finalidade.
A austeridade que acabou por ser a resposta política dominante à crise não se afigura como o caminho para se atingir o objectivo desejável para um crescimento de qualidade e sustentável na Europa, mas sim como o atalho mais curto para o aumento do risco de pobreza e para o empobrecimento material, e também psicológico, dos seus cidadãos."
Helena Oliveira in ver.pt