A perda de tempo - Adriano Moreira

A única coisa que humanamente é possível fazer com o tempo é seguramente não o perder, porque a liberdade que tem de se escoar não é facilmente oponível. É por isso que, havendo um acordo generalizado sobre a gravidade da crise económica e financeira que se tornou global, mas que atinge mais gravemente os países que foram abrangidos pela fronteira da pobreza, como acontece ao Norte do Mediterrâneo, é necessário avaliar o tempo perdido em debates repetidos sobre banalidades, como o sentido de uma palavra que se distingue numa talvez dispensável intervenção oratória, relacionar a dimensão da autoridade de um órgão estadual com uma divagação que não se relaciona com qualquer interesse nacional, fazer depender a credibilidade de uma conclusão com a análise demorada de um ambiente que desapareceu, em suma, como já foi dito "passamos o tempo envolvidos em discussões inúteis, concentrados no que é conhecido e naquilo que se repete". Numa data e circunstância em que a opinião pública é uma variável fundamental para recuperar uma governança razoavelmente independente de vigilâncias externas de nível não avaliado por qualquer instância confiável, nem conhecida dos cidadãos destinatários, a perda de tempo com a cortina de superficialidades que dificulta a perceção da realidade pelos eleitores, exige uma atenção e intervenção dos meios de comunicação social. Uma intervenção no sentido de não deixar perturbar a visibilidade dos factos que em cadeia, e como que entregues apenas à natureza das coisas, vão agravando a qualidade de vida de todos, e seguramente a sustentabilidade da vida de excessivamente muitos. De facto as preocupações lançadas no mercado das controvérsias desencadeadas sobre irrelevâncias do processo em curso diminuem severamente a concentração ou a capacidade de os cidadãos entenderem o processo real que mina a sua conceção do mundo e da vida, e a vontade de participarem nas tarefas da reconstrução.
O conceito de Estado Espetáculo perdeu referências atualizadas, continua porém a ser necessário para ajudar a compreender esta mecânica da trivialidade que tende a orientar a tomada de decisões pelo eleitorado, mas não ajuda a tomar as decisões com fundamento na realidade apreendida, também interfere na debilidade criativa das lideranças, mas não necessariamente na capacidade de se manterem. (...)
Finalmente parece, nesta anarquia, crescer o descaso sobre a necessidade de salvaguardar a unidade europeia a todo o custo, para não ter de sofrer os custos da desunião, do regresso ao isolamento tribal, ou à ambição do diretório. Parece suficiente experimentado e sabido que alguma parte significativa desta deriva da discussão sobre os temas europeus tem relação com a falta de contacto das opiniões públicas dos Estados com os órgãos, mais eurocráticos que políticos, que pesam nas decisões.
Professor Doutor Adriano Moreira in DN