A vida e o progresso - por Agostinho da Silva

“Uma das coisas que nos oprime na personalidade é o facto de termos de exercer no mundo uma profissão, de termos de ter um trabalho. Então por mais que cultivemos as nossas vocações, na realidade pomos muita coisa de parte porque a complexidade do mundo não dá tempo para o homem ser, por exemplo, ao mesmo tempo um grande médico e um grande engenheiro, embora num ou noutro ponto possa ter uma ideia da engenharia ou ser um engenheiro com uma ideia de medicina, mas como profissão, como aplicação total das suas forças, não é possível. Então o segredo para nós podermos desenvolver a nossa personalidade vai ser o de ver de que maneira vamos abolir no mundo a obrigação do trabalho, de que maneira vamos organizar as coisas de modo que as coisas materiais, digamos, as máquinas, trabalhem para nós. Ora, para construir as máquinas, só podemos fazê-lo sob o imprevisível. Nunca ninguém enamorado do imprevisível conseguiu construir uma máquina.
Então foi preciso que a Humanidade vivesse completamente no domínio do previsível e no qual, provavelmente vai ter de continuar ainda algum tempo, anos ou séculos, não sabemos, para que realmente a máquina chegue à sua máxima elaboração, cujo fim, será o de nunca nos oprimir, em que só tenham de trabalhar com ela os homens que lhe tenham amor, homens que estejam apaixonados pela máquina; ao passo que hoje a maior parte das pessoas trabalha com ódio à máquina e por isso é que tanta gente tem medo das invenções técnicas, porque tem medo que elas venham a ser opressoras da Humanidade (…)
A vida plena é a vida do equilíbrio difícil. A vida do equilíbrio fácil é aquela que leva hoje quase toda a gente no mundo, mas em que as pessoas na maior parte das vezes estão tristes. Há milhares de médicos que vivem da depressão das pessoas, e esses milhares vivem de uma coisa que grande parte da sociedade explora, que são os meios de deprimir as pessoas."
Agostinho da Silva, Vida conversável, Assírio e Alvim, pp. 37-38.