Ética e Política - por Nuno Canta

A atividade política só se justifica se o político tiver princípios republicanos, ou seja, se as suas ações, paralelamente à conquista do poder, tiverem em conta o bem público, o qual nem sempre é fácil de definir, mas que deve ser constantemente procurado.
A filosofia da moral teve sempre uma grande preocupação com a ética na política. Definir os grandes problemas morais do nosso tempo continua a constituir um grande desafio filosófico, em particular durante a crise política sem fim que, infelizmente, continua a devastar a Europa e Portugal. O nosso país atravessa uma crise sem precedentes, fruto de ter um Governo com uma visão política redutora, inflexível e desligada das necessidades das pessoas. As incertezas que estamos a enfrentar criam condições para uma reflexão sobre a ética e a política.
A atividade política só se justifica se o político tiver princípios republicanos, ou seja, se as suas ações, paralelamente à conquista do poder, tiverem em conta o bem público, o qual nem sempre é fácil de definir, mas que deve ser constantemente procurado. Portanto, nenhuma atividade é mais nobre que a política, porque o político, na sua capacidade de definir instituições e de tomar decisões estratégicas para a vida da sua comunidade, tem uma grande influência no quotidiano das pessoas.
Nos últimos 30 anos, um dos grandes temas que os intelectuais decidiram estudar, em paralelo com o estudo das instituições, foi o tema da ética pública, da ética da responsabilidade. Por exemplo, a ideia de criar boas instituições que evitassem a corrupção preparavam os países para resolver os problemas do desenvolvimento e do progresso. Ainda hoje, o senso comum diz-nos que, o grande problema dos países pobres provém da corrupção não controlada por ausência de instituições capazes. Quantas vezes, não damos por nós a evocar a demora da justiça como, a causa principal da imoralidade do nosso país. Basta mudar as instituições, basta mudar o sistema de incentivos e de penalidades, e o problema fica resolvido. Por outro lado, chegou-se a conclusões precipitadas, que afirmavam que nos países ricos o problema da corrupção não existe ou é reduzido. Parece que, os cidadãos daqueles países já aprenderam a ser honestos.
A última frase é uma meia verdade. Um país desenvolvido é, por definição, um país no qual as instâncias económicas e sociais, as instituições e a cultura são correlativamente mais desenvolvidas. Por isso, o capitalismo representou um avanço ético em relação às sociedades feudais, nas quais o Estado antigo apoiado na religião mantinha a ordem social de forma arbitrária e violenta, e a distinção entre propriedade privada e pública não existia. No entanto, apesar do avanço que o capitalismo representou, sabemos que existe corrupção dos capitalistas e dos políticos nos países ricos e como é intrínseco ao capitalismo a fraude, a extorsão e o roubo. Basta recordar, um caso mediático recente, o negócio da venda dos submarinos pela Ferrostal alemã à Grécia e a Portugal.
A regra fundamental do capitalismo é que cada um deve procurar o seu interesse pessoal, pois, o mercado cuidará do interesse geral. Sabemos como esta tese é absurda, apesar de defendida pelo atual Governo e pelos deputados do PSD e CDS, contudo ela é inerente à visão mais liberal do capitalismo. Os seus defensores naturalmente afirmam o Estado de direito, a liberdade e o cumprimento da Lei, mas, no fundo, acreditam que o melhor instrumento de coordenação social é a mão invisível do mercado, de tal forma que o seu liberalismo facilmente se transformou no atual neoliberalismo e nas políticas de austeridade.
A corrupção é um problema da polícia, ou, mais corretamente, um problema da polícia e dos tribunais. É, do nosso ponto de vista, um problema que só um estado forte, capacitado, tem condições de limitar. Portanto, a ideia de enfraquecer o Estado, sistematicamente, pelos cortes orçamentais e políticas de austeridade irá, sem dúvida alguma, aumentar o fenómeno da corrupção. Um Estado moderno é muito mais do que isso. É um Estado ao serviço dos seus cidadãos, e que, além de garantir a ordem pública, é democrático e garante os direitos sociais e republicanos.
Todavia, outra coisa, muito diferente, é transformar a corrupção no grande problema das sociedades modernas e supor que através da crítica generalizada dos políticos e dos servidores públicos vamos conseguir com que sejam mais honestos. É claro que, um grande número de políticos não atua de acordo com os princípios republicanos e a ética da responsabilidade. E muitos atuam mesmo imoralmente.
Ao fazer a defesa dos políticos e da política, não estamos a negar a sua corrupção? Não, estamos simplesmente a afirmar que a corrupção das elites políticas refletem a corrupção das elites económicas da sociedade, e que esta se relaciona com o seu grau de desenvolvimento e progresso. Nem estamos, tão pouco, a deixar de nos indignar com a corrupção. Um dos grandes males das sociedades modernas é o facto de muitos pobres não se indignarem com a corrupção dos ricos, encarando como “natural”. O desenvolvimento significa entre outras coisas, deixar de considerar a corrupção uma atitude natural.
Definitivamente, o problema fundamental de Portugal não é a corrupção. Nem são as instituições ou os sistemas de penalidades e incentivos. Não porque ela não exista. A corrupção está diante de nós. O nosso problema fundamental é de desenvolvimento económico, é ter taxas de crescimento económico mais elevadas para corrigir as desigualdades económicas e sociais e, por esta via, limitar a corrupção.
Nuno Canta in rostos.pt