O criador dos deuses - Crítias (fragmento b25)

Outrora, houve um tempo em que o homem vivia sem leis
Como um fauno, respeitando apenas a força;
Em que os bons não obtinham qualquer recompensa,
Em que os maus também ficavam impunes;
Só depois, os homens estabeleceram leis de repressão […]
Para que a lei reinasse como senhora soberana,
E desse modo dominasse a sua louca desmesura.
A partir de então era possível castigar os faltosos.
Seguidamente, como as leis reprimiam os delitos
Proibindo que se realizassem às claras os crimes,
Mas não em segredo, foi então, creio eu,
Que um sábio, que sabia por sabedoria profunda,
Forjou para os mortais os Deuses
Para inspirar o temor aos maus, que se escondem
Para agir, ou falar, ou mesmo para pensar.
Essa é a razão por que introduziu Deus,
Dizendo-lhes que goza de uma vida eterna,
E que pelo entendimento entende e vê e julga
Todos os actos cometidos; que a sua natureza é divina,
Que ele perscruta todas as intenções dos mortais
E que tem meios para ver tudo o que eles fazem.
Mesmo quando calasses o golpe que preparas
Os Deuses dar-se-iam conta; nele existe o Pensamento.
Proferindo tais palavras,
O sábio ocultou a lição na agradável forma do mito,
Velando a verdade com um discurso enganador. […]
Encerrou os homens num círculo de temor;
O brilho do seu discurso atribuiu morada condigna à divindade
E mediante as leis ele pôs fim à desigualdade. […]
Assim, creio eu, houve alguém que foi o primeiro
A persuadir os mortais de que existem Deuses.
Crítias, Fragmento b 25