Arte e transfiguração

«As representações artísticas da realidade “transfiguram-na” aos nossos olhos, não se limitam a “representá-la”: apresentam-na sob novos aspectos, criam novas maneiras de a ver. Gombrich sublinha que os artistas (mesmo os mais “realistas”) não se limitam a copiar a realidade, mas que também a criam.
Platão tinha uma opinião negativa acerca da arte pictórica, comparando-a a um simples espelho do mundo e sustentando que os pintores nada mais faziam do que copiar aparências ou imagens visuais. Esta atitude baseia-se no “mito do olhar inocente”, menosprezando o facto de que qualquer olhar corresponde a ver como isto ou aquilo. Menospreza também o facto correspondente de que, para representar, o artista tem de “isolar e de seleccionar” e de que ao fazê-lo impõe a sua visão ao nosso mundo criando de novo para nós o nosso mundo.
É útil lembrarmo-nos neste momento de que grande parte das pinturas “representativas” da arte ocidental não pretenderam copiar a realidade. E isso não se deve ao facto de que aquilo que representavam eram pessoas ou eventos que eles não viram ou não podiam ter visto. O que eles representaram foram coisas passadas embora assumidas como reais (todas as cenas da Bíblia, Sócrates a tomar a cicuta ou a falar aos seus discípulos), coisas pertencentes a um tempo futuro (todas as cenas do Dia do Juízo Final) ou simbólicas (os quatro cavaleiros do Apocalipse) ou, com maior ou menor extensão, imaginárias ou inventadas (tais como Rake’s Progress ou cenas descrevendo batalhas ou outros eventos que se deram durante uma guerra). Os artistas podem ter assistido a esses acontecimentos, mas na maior parte dos casos não puderam fazê-lo. Ao representarem tais acontecimentos e pessoas, os artistas tiveram de escolher uma forma particular de os representar, uma forma parcialmente moldada pela sua imaginação criadora.
Mesmo em retratos ou em quadros sobre pessoas que se pode supor terem sido “copiados da realidade (no sentido em que o artista teria perante si a pessoa a ser retratada), as pessoas são orientadas para posarem de um certo modo, num determinado ambiente, etc. Aqui, uma determinada visão da realidade é criada mesmo antes de ser “copiada”.»
Rosalind Hursthouse, Truth and Representation Blackwell, pp. 275-279